Dragagem dos rios ameaça bagres amazônicos
Serviço realizado sem o devido estudo de impacto ambiental é visto como negacionismo científico

Wilson Nogueira, do BNC Amazonas
Publicado em: 03/11/2024 às 06:33 | Atualizado em: 04/11/2024 às 11:04
O doutor em Geografia Camilo Ramos disse ao BNC Amazonas que a dragagem do rio Amazonas/Solimões causará impacto ainda não avaliado na vida dos bagres. Estes são peixes se reproduzem e migram através da profundeza dos rios.
Os bagres, em sua maioria, fazem parte da dieta dos moradores da Amazônia e outras regiões do País. Os mais conhecidos nas feiras e mercados são o surubim, a piramutaba, o filhote, a pirarara, a piracatinga e a dourada.
“Não falaram com o surubim, com a piramutaba, não falaram com o filhote, que fazem a desova no fundo do rio. Não falaram com os peixes”, adverte Camilo, invocando a falta de estudos de impacto ambiental seguro para a realização da dragagem desde Tabatinga, na fronteira com a Colômbia e Peru.
“Eles estão tirando os sedimentos de um lado e colocando no outro lado. O rio não está conduzindo esse material”.
Medida paliativa
Para Camilo, a dragagem é uma medida paliativa com prejuízos incalculáveis à vida dos rios e dos seres que vivem e dependem deles, entre os quais, os humanos.
Obstáculo aos migradores
A dragagem é mais um obstáculo na longa viagem dos bagres pelos rios amazônicos. A dourada, por exemplo, percorre mais de 11 mil quilômetros entre o a foz do Amazonas até as nascentes na região dos Andes, em processo de reprodução.
Outro bagre de longa migração é a piramutaba. Essa espécie costuma percorrer até seis mil quilômetros, desde a foz do Amazonas até as águas de Iquitos, no Peru.
As larvas das duas espécies fazem a viagem de volta para se desenvolver na zona de transição entre o Amazonas e o Atlântico, farta em alimentação, por mais ou menos dois anos.
Velhos impactos
Até então, peixes migratórios tinham que se livrar das redes da pesca predatória e dos impactos ambientais das hidrelétricas de Santo Antônio e Girau. Além disso, do garimpagem ilegal e do aumento da navegação pesada e ligeira nos rios amazônicos.
Bagres menores – peixes de couro – e várias espécies de escamas também dependem dos rios de correnteza para procriar, como os peixes de arribação, entre eles, o jaraqui, pacu e aracu.
O mais preocupante entre os pesquisadores da área, segundo Camilo Ramos, é a falta de estudos aprofundados sobre as mudanças nos cursos dos rios causadas pela ação humana.
Negacionismo científico
Para ele, esse comportamento dos governos que se manifesta pela falta de dinheiro para a pesquisa também é uma forma de negacionismo científico.
Segurança alimentar
O geógrafo lembra ainda que o pescado de água doce é um dos itens estratégicos para a segurança alimentar da população ribeirinha amazônica.
Só o Amazonas consome 14 quilos per capta ano de pescado. É bem acima da média nacional, que é de 10,5 quilos per capta/ano.
Esses dados são da SeaFood Brasil, uma plataforma de comunicação que incentiva negócios em toda a cadeia produtiva do setor.
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Dragagem
Camilo Ramos sugere que a dragagem do rio Amazonas não terá o resultado duradouro para a navegação pesada e de grande calado (a maior demanda é do Distrito Industrial de Manaus) nem para exportação de Mato Grosso e Rondônia através da hidrovia do Madeira.
O Madeira, com status de rio navegável, em vias de se tornar hidrovia, está em intermitente estado de dragagem para desembaraçar os bancos de sentimentos para a navegação de comboios sojeiros a partir do porto de Rondônia.
Camilo explicou que a formação de bancos nos leitos do Amazonas/Solimões e Madeira não decorrem apenas das terras caídas. Esse é um fenômeno da movimentação natural dos rios.
“Praia do Meio” de Parintins cada vez maior
Camilo Ramos lembra que começou, em 2016, a medir o banco de sedimentos localizados em frente a Parintins, chamado pela população local de “Praia do Meio”.
Em três anos consecutivos, a “praia” permaneceu com 700 metros de extensão, e, no ano de 2023 passou para 4 quilômetros e 419 metros. Porém, na última medição, em 29/10, estava com 6 quilômetros de 200 metros de extensão.
O crescimento entre o ano passado e este ano é 2 quilômetros de 400 metros, um aumento de 50%.
“[…] não há tanto sedimento de terra caída. O rio Amazonas não transporta tudo isso, ele não consegue fazer esse acúmulo”, acentua Camilo Ramos.

Reordenamento hídrico natural
Em estudo que faz para o seu pós-doutorado, intitulado Reordenamento hídrico natural acelerado por ação humana, o geógrafo disse que localizou, neste ano, vinte bancos de sedimentos entre Manaus e Parintins contra doze do ano anterior.
Impacto de hidreléticas
Por isso, é mais provável que esse fenômeno tenha sido potencializado pela hidrelétrica de Santo Antônio e Girau. Essas duas obras não dispõem de reservatórios para controlar o fluxo da água que passa pelas turbinas.

Desmatamento
Soma-se ao problema a derrubada da floresta, principalmente da mata ciliar, que contribui para o fenômeno das terras caídas. Não menos prejudicial é o garimpo ilegal. O pesquisador ainda cita a navegação com grandes cargas e as lanchas de passageiros de alta velocidade, que ajudam a empurrar mais banzeiro para as margens.
Indústria da seca e da cheia
Para Camilo Ramos, a dragagem do Amazonas, no trecho Manaus/Itacoatiara, é mais um pretexto para fortalecer a indústria da seca e da cheia nos estados amazônicos, a exemplo do que ocorre com a indústria da seca em cidades do sertão nordestino.
O governo federal, por intermédio do DNIT, autorizou a liberação de 500 milhões para a dragagem de três trechos do rio Solimões e um do Amazonas.
“O governo deveria investir no replantio de árvores e recuperar áreas degradas pela pecuária e monoculturas de grande escala. Dragagem é o mesmo que enxugar gelo. Faz-se nesta seca, na próxima e na próxima e quem ganham com isso é o grande capital”, comentou.
Canal do rio Amazonas aterrado
A avaliação de Camilo Ramos é que a dragagem não vai impedir que os dois rios continuem perdendo a capacidade de profundidade. “O canal [do Amazonas] está ficando muito aterrado, isso o deixa mais raso, porém mais largo”, explicou.
Foto: Wilson Nogueira