Boi Caprichoso quer fazer do tetra uma retomada da Amazônia e sua gente
O Boi Caprichoso apresenta "Tempo de Retomada" como tema para Parintins 2025, com foco na recuperação da Amazônia, cultura e justiça climática.

Dassuem Nogueira, da Redação do BNC Amazonas
Publicado em: 14/10/2024 às 11:21 | Atualizado em: 14/10/2024 às 11:30
Pouco mais de 1h da madrugada deste 14 de outubro, o boi-bumbá Caprichoso lançou em suas redes sociais o tema para o Festival Folclórico de Parintins 2025, “Tempo de retomada”.
O tema segue a linha conceitual que vem dando seguidos campeonatos ao boi da Francesa.
Está alinhado à pauta indígena, quilombola e ribeirinha que fala sobre retomada ao invés de resgate cultural.
A ideia de retomar dá ênfase a algo que lhes foi roubado ou invadido, como seus territórios e tudo que há neles, como diferentes expressões culturais, entre elas, várias línguas indígenas e objetos sagrados.
Tal como o manto Tupinambá que retornou ao Brasil em setembro deste ano, após ter passado mais de 300 anos exposto em museu da Dinamarca.
Além disso, ao usar termos como negacionismo climático, o boi-bumbá assume um lugar político de oposição ao conservadorismo. O que não poderia ser diferente, dado o modo crítico como tem levado pautas sociais para a arena.
Nos faz supor, pois está mais claro do que foi apresentado por seu adversário, que o boi-bumbá Caprichoso deverá aproveitar o clima da COP-30, que deixará ainda mais holofotes voltados para as pautas relacionadas à Amazônia em 2025.
O texto de apresentação menciona vários entes da floresta, como bichos do fundo do rio, ampliando uma dimensão ainda maior das existências que nela habitam para além do visível.
Além de soar poético, vai de encontro a uma linha jurídica que tem reconhecido rios, oceanos, florestas e seus entes como sujeitos de direitos.
Tal como ocorreu na nova constituição do Equador e tem se tentado replicar ao rio doce, avô do povo krenak, atingido pelo rompimento da barragem de rejeitos da exploração de minérios em Mariana (MG), em 2015.
Apostando em uma fórmula campeã, o boi-bumbá Caprichoso apresenta um tema atual e engajado para conseguir o inédito tetracampeonato.
Leia mais
Festa de Caprichoso e Garantido deixou R$ 180 milhões em Parintins, diz governo
Apresentação do Caprichoso
É tempo de retomada!
Nossa Mãe Terra exaurida, esgotada e explorada avisa dos seus últimos suspiros.
Até mesmo os mais negacionistas climáticos já começam a se entender como parte dela.
Nossos ancestrais indígenas de todas as partes do mundo, africanos e gente de tantas etnias nos deixaram o imensurável legado de cuidá-la, amá-la e protegê-la como a nossa própria vida.
Em nome do progresso, embevecidos por um sistema que a cada dia se mostra falho e estonteado pelas tantas ilusões e pseudonecessidades, ignoramos por muito tempo a exaustão do nosso próprio futuro.
Mas, a floresta ainda está de pé!
Homens e mulheres a guardam e até sucumbem entregando suas próprias vidas para proteger a vida de todos nós.
Ainda há tempo de um último grito pela preservação, pois é tempo de retomada.
Tempo de retomar os saberes ancestrais que não violam as florestas, águas e ar, que não envenenam nossas crianças, o útero de nossas mulheres e o ar que respiramos, que guardam a cura para o corpo, para o mundo e para o espírito.
É retomar a sabedoria banto, nagô, hauçás e yorubá: fazer do peito partir a sankofa num voo da Amazônia para o mundo.
É tempo da retomada, dos espíritos que junto com as águas esvaíram-se dos furos, lagos e igarapés. Espíritos sufocados com a fumaça, escondendo-se de baixo das pedras e dos troncos que apodrecem nas ribanceiras, da cobra grande encolhida para não revelar os segredos das gentes do fundo.
É tempo de retomar tradições que afagam, em meio a tantos sofrimentos, a alma de nosso povo, brincadeiras, o batucar da toada, a dança ritmada dos nossos brincantes ao redor da fogueira e o trotar dos cavalinhos de pano ao redor do nosso amado Caprichoso.
É retomada de gente de todas as cores: indígenas, negros, quilombolas, mulheres, crianças, LGBTQIAPN+ ao poder político em todo mundo.
É a retomada da arte para os braços do povo que na cultura do boi-bumbá se ergue como uma bandeira de autoproclamação.
É a retomada da Amazônia-floresta, da vida, da esperança e do amor.
A retomada é filha da luta, corajosa e esperançosa, de um Boi Negro que ilumina seu povo com a estrela da esperança liberta em cantos, versos, danças, visualidades e encantamentos – portentosa arte popular!
Como nos ensina a originária Trudruá Makuxi, “Trata-se sempre de nós. De como reconstruímos relações fraternas e afetivas. De como somos mais fortes em rede. Retomada é um paradigma de poesia”.
É Parintins, é o Boi-Bumbá Caprichoso! É tempo de retomada!
Leia mais
Festival de Parintins agora é Manifestação Cultural Nacional
Arte do tema Caprichoso 2025
Criação, concepção e arte: Adolfo Tapaiuna Sateré / Ananda Cid/ Denner Silva