Ailton Krenak: uma ode aos estudantes indígenas
O aurtor discorre sobre o Festival Mátria Amada com a participação de um dos pensadores brasileiros mais importantes da atualidade

Neuton Correa, Marcio Rogério Silva Engenheiro e Ativista em Direitos Sociais
Publicado em: 09/10/2024 às 16:17 | Atualizado em: 09/10/2024 às 16:19
Ocorreu no mês de setembro, na Usina Cultural da Facens em Sorocaba, o Festival Mátria Amada. Dentre os artistas e intelectuais brasileiros presentes que se destacaram, está Ailton Krenak, líder indígena da etnia Krenak, ambientalista, filósofo e escritor. Recentemente, ele foi admitido na Academia Brasileira de Letras (ABL).
Dada a proximidade da UFSCar, campus Lagoa do Sino, em Buri-SP, compartilhamos a agenda desse evento com os estudantes indígenas do nosso campus que fazem parte do Centro Cultural Indígena (CCI-LS), do PET Saberes Indígenas e, também, de membros do CCI do campus de São Carlos.
O plano
Até então o plano era simples: ter a oportunidade de ouvir as sábias palavras e os profundos cantos ligados a nossas raízes e aos nossos problemas. Naturalmente, estávamos ali para ouvir, aprender e nos divertir, sem imaginar que pudesse haver uma interação para além disso em um evento com tantas pessoas. No entanto, não imaginávamos o que estava por vir!
O estudante Vinicius Baré, líder do CCI-LS conseguiu conversar com Ailton Krenak antes de ele entrar no palco e passou a expor as atividades que estavam sendo desenvolvidas por eles com o apoio dos professores, técnicos e também de estudantes não indígenas: roça indígena, construção de uma oca no campus, dentre outras atividades; apresentou a bandeira do CCI e pediu uma dedicatória na bandeira.
Todavia, Krenak pediu para ficar com a bandeira para mostrá-la no palco. Assim que iniciou seu discurso, logo de imediato, ressaltou a importância da presença de estudantes indígenas nas universidades.
Em seu rico discurso, Krenak falou sobre a crise climática, a densa e triste fuligem que escondia o céu azul, a necessidade de entendermos que este problema que não se resolve com ações pontuais, mas com uma articulação global. Ações pontuais são importantes, mas não resolvem, afirmou o imortal Krenak.
Em um outro momento de sua explanação, ao falar novamente da importância dos estudantes indígenas nas universidades públicas brasileiras, Krenak afirmou que, atualmente, há 65.000 estudantes indígenas no ensino superior, representando uma mudança em relação às gerações anteriores. Certamente, uma transformação importante.
Os livros e a ode
Krenak teve seus materiais publicados e organizados com o apoio de diferentes universidades e, em 2016, recebeu o título de doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) em reconhecimento pela sua importância na luta das causas ambientais e pelos direitos dos povos originários.
Autor de vários livros, Krenak leciona as disciplinas de “Cultura e História dos Povos Indígenas” e “Artes e Ofícios dos Saberes Tradicionais”, em um curso de especialização da UFJF. Neste âmbito, a universidade passa a ser mais um importante instrumento de escuta das vozes que não são ouvidas e a preciosos saberes que não eram até então considerados.
Ao final da apresentação, Ailton Krenak chamou os representantes dos CCI da UFSCar para homenageá-los e fez a seguinte fala:
Olha, esses jovens, eles representam centenas de outros que estão nas nossas universidades, na UFSCar, na Unicamp […] então, é muito bom ver, alguns deles são muito corajosos e lideram iniciativas de suas comunidades a partir de seu território […] ah, o Vini quer falar agora [Fala de Vinícius Baré em sua língua e depois traduzida].
Boa noite meus parentes, vocês todos. Me chamo Vinícius, eu sou do povo Baré, eu faço Engenharia de Alimentos na UFSCar, Lagoa do Sino, a gente está com o coletivo, mas não só o coletivo da lagoa, o coletivo de São Carlos também está aqui. Krenak, eu queria falar para você que a gente se sente honrado em estar aqui dividindo palco. Te convido para visitar a Lagoa do Sino em novembro, para a semana indígena que vai ocorrer nos dias 27, 28 e 29. A gente tem o projeto da primeira maloca indígena dentro da UFSCar, na Lagoa. Sei que sua agenda é apertada, mas você está convidado para estar lá. Vai ser um momento histórico para nós estudantes indígenas a inauguração de uma maloca dentro de uma universidade. A gente te espera lá, se você quiser ir a gente te espera lá, se quiser ir um dia antes você fica em casa [Krenak]. Gratidão (seguido de palmas, fotos, encerramentos).
Ailton Krenak
Essa carinhosa recepção vai ficar marcada na vida dos estudantes indígenas presentes. Não sabemos se haverá agenda compatível para Krenak ir até a Lagoa do Sino, mas, de toda forma, ele tem razão: os estudantes indígenas estão fazendo história ao buscar realizar trocas de conhecimentos na universidade e buscar contribuir com suas comunidades.
Considerações finais
A transformação e a estruturação de uma nova forma de luta estão em curso. Neste âmbito, há uma construção importante na UFSCar, que vem destruindo os muros que fazem a separação entre os que podem e os que não podem entrar em seus espaços.
Estamos construindo na universidade arranjos que possibilitem a verdadeira indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, uma verdadeira troca de saberes entre indígenas e não indígenas.
A construção da Oca será a apoteose desse processo ao unir povos indígenas dentro e fora da universidade. Uma Oca cercada por uma roça com plantas nativas e medicinais protagonizada por indígenas da Aldeia Tekoha Nhanderu Porã, que tem as etnias Tupi-guarani, Mbya Guarani, Guarani-Kaiowá e Terena e estudantes indígenas de vários povos do Amazonas e do Mato Grosso, como mais uma experiência dos muros que se quebram, que se diluem em uma efetiva troca de saberes, de dom e contra dom entre universidade e comunidade.
Isso é construção de pertencimento, empoderamento, dignidade na medida em que os povos originários não são tratados apenas pelas consequências de déficit material provocado pelos brancos e que agora necessitam de reparação histórica. É uma oportunidade de valorizá-los, fazer sentir que eles e elas também ajudam e que nós também precisamos deles e temos muito a aprender com eles e elas!
Então, somos gratos, pois vai ter “Maloca”, nome dado a partir da cultura dos estudantes indígenas do Amazonas! Até breve, Krenak e “ererré” (gratidão em sua língua)!
Arte: Gilmal