O garroteamento da imprensa

O articulista destaca: "resolvi escrever sobre a boa imprensa, aquela que não se utiliza de recursos para informar e analisar os fatos, e checa verdadeiramente a notícia".

O garroteamento da imprensa

Ednilson Maciel, por Flávio Lauria*

Publicado em: 09/10/2024 às 08:56 | Atualizado em: 09/10/2024 às 08:56

Estava decidido a comentar sobre a eleição de domingo, e o segundo turno definido, com surpresa colocando o deputado Alberto Neto no segundo turno junto com o atual prefeito de Manaus.

Mas, resolvi escrever sobre a boa imprensa, aquela que não se utiliza de recursos para informar e analisar os fatos, e checa verdadeiramente a notícia, sem a pretensão de querer induzir o leitor ou telespectador.

Lembro então de Ruy Barbosa, que era o luzeiro guia de nossas vidas e para ele nos voltávamos sempre que algum direito estava colocado diante de perigo iminente.

De quantos ensinamentos foram bebidos nas páginas imortais do notável tribuno e jurista, nos prélios estudantis e nas lutas pelas liberdades cívicas sempre ressumavam conceitos a respeito da liberdade de imprensa, a “rainha das liberdades”, segundo Thomaz Jefferson, os olhos da nação, por intermédio dos quais ela fica sabendo o que se passa em seu redor, devassa aquilo que lhe ocultam, expõe ao pelourinho do julgamento popular os corruptos e corruptores.

De todas as liberdades, não há nenhuma mais conspícua e mais necessária.

Se tais conceitos e definições ganharam foros de verdades definitivas, não menos verdadeiro é que a liberdade de imprensa no mundo vem sofrendo a agressão de aprendizes de tiranos, a pressão dos endinheirados e a intolerância dos liberticidas.

Abatem-se sobre ela as mais variadas tentativas de garroteamento, desde a força bruta até os blandiciosos acenos da pecúnia com os quais governos fracos e incompetentes tentam embair a opinião pública.

Se as pressões econômicas e financeiras são desfiguradoras do verdadeiro papel da imprensa livre, não menos verdade é que o engajamento político-ideológico da mídia constitui, nos dias de hoje, espécie de câncer capaz de fragilizá-la até a morte.

Nesses estamentos radicais concentra-se o grande perigo a ameaçá-la.

Tanto à esquerda quanto à direita montam acampamento os verdadeiros inimigos da verdadeira liberdade de imprensa. Ambos se alimentam de preconceitos, nada mais nada menos de velhos ranços autoritários.

Por paradoxal que possa parecer, outorgam-se a condição de defensores da liberdade para poder mais facilmente esmagá-la.

Não faz parte do cardápio dos tiranetes, quando no exercício do poder, permitir excesso de liberdade de imprensa, salvo quando ela se transforma em turibularia para o cantochão das louvaminhas estereotipadas.

É o que está acontecendo com o tirano Maduro na Venezuela.

Por mais que tenha o gado de cores preconceituosas, a tentativa de sua punição foi ato falho de quem fez seu aprendizado nos tratados de autoritarismo político chavista.

É o mesmo padrão de prosélitos de José Saramago, para quem “a democracia é uma santa coberta de chagas, cheira mal e, ainda por cima, é surda. E mente quantos dentes tem na boca”.

Quando verdadeiros democratas, entendidos aqueles por convicção e formação, não por ocasião ou oportunismo político, são atingidos por abusos no exercício da verdadeira liberdade de imprensa, sua reação é assinalada pela tolerância e a crença na superioridade da verdade. Se desejarmos tomar como exemplo dois mineiros ilustres que mais terrivelmente sofreram as assacadilhas de jornais e jornalistas no abuso de sua liberdade, retiramos de suas vidas o melhor modelo de paciência democrática.

Juscelino Kubitschek e Israel Pinheiro padeceram das mais iníquas e sórdidas campanhas contra sua honra e sua capacidade pessoal.

Responderam sempre com arrasador silêncio e menosprezo aos acusadores, encontrando na consciência neutra da história o julgamento definitivo quanto à sua dignidade e ao seu discernimento de homens públicos.

A expulsão de jornalistas foi o despertar do subconsciente autoritário que presidiu a formação marxista do chavismo a quem Lula parece admirar, e ainda prevalece em sua conduta e decisões.

A democracia, que, no conceito de Saramago, “cheira mal”, foi o remédio simples e nobre que restaurou a dignidade da liberdade que representa todas as outras.

*O autor é mestre e doutor em administração pública.

Foto: Hosnysalah/Pixabay