A árvore urbana e sua riqueza ignorada

"Que possamos transformar o descaso presente em oportunidades futuras!", diz o articulista, que é biólogo.

A árvore urbana e sua riqueza ignorada

Ednilson Maciel, por Fernando Periotto*

Publicado em: 26/09/2024 às 12:13 | Atualizado em: 26/09/2024 às 12:17

Um sábio certa vez disse que uma árvore não é apenas um ser vivo, mas uma entidade que abriga dezenas, centenas, ou até milhares de vidas em seu corpo especial. Suas partes aéreas –
folhas, galhos, tronco, flores, frutos e sementes – se complementam com as suas raízes, que muitas vezes se estendem pelo mundo subterrâneo.

Para os outros seres vivos, em geral, a árvore tem centenas de especiais funcionalidades, tais como: “Pólen! Néctar! Resinas!” para abelhas, besouros, mariposas, beija-flores, moscas e morcegos.

“Folhas verdejantes e saborosas!” para lagartas, gafanhotos e até ruminantes.

“Frutos coloridos e suculentos!” para pássaros, mamíferos pequenos e famintos.

“Folhas, galhos e flores caídas em solo!” para minhocas, centopeias e besouros no chão.

As funcionalidades seguem com as bactérias que vivem em suas raízes produzindo nitrogênio e degradando matéria orgânica. “Madeira saborosa, celulose!” para vorazes cupins que vivem no solo e subsolo. “Seiva açucarada!” para pulgões silenciosos e cigarras, ora silenciosas, ora barulhentas.

Assim funciona o movimentado restaurante-árvore, dia e noite, 24 horas; ou seja, não fecha e está sempre lotado, repleto de vida!

Além disso, é casa, local de nidificação, descanso, excelente amenizadora de condições climáticas e promotora de saúde aos seres vivos, por produzir sombra, umidificar e aromatizar o ar.

É também notável elemento da infraestrutura verde, por vezes maltratada, pouco valorizada, deformada por podas drásticas, com sua beleza e saúde roubadas.

Nem mesmo as árvores protegidas por lei estão livres do descaso e do abandono. Não estão livres da ignorância dos seres humanos que as circundam.

Na maioria das vezes, são incompreendidas e manejadas com total desconhecimento de suas potencialidades.

Contudo, elas seguem resistindo e nos oferecendo abrigo e beleza natural em meio ao cinza que nos destrói silenciosamente, em meios urbanos poluídos, áridos, inóspitos.

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Desafios contemporâneos

Em uma análise mais ampla, a importância de cada árvore se manifesta diante dos desafios contemporâneos relacionados aos ambientes urbanos de rápida expansão demográfica, de ocupação inadequada e irregular de áreas, bem como pela acelerada compactação e degradação do solo.

A população das cidades em países de baixa renda, tem crescido a taxas muito mais elevadas do que em outras regiões.

De acordo com dados da ONU-Habitat, essa população dobrou entre 1975 e 2020 e é projetada para duplicar novamente até 2070, em conjunto com um aumento significativo na expansão espacial das cidades nesses países. Estima-se que a área urbana dessas localidades possa dobrar até 2050.

Ainda, a América Latina conta com 81% de sua população vivendo em áreas urbanas. E uma das variáveis do fenômeno urbano do IBGE, a de “áreas urbanizadas”, indica uma expansão continuada do fenômeno de urbanização no Brasil, com manchas urbanizadas bastante concentradas, estando 36,5% dessas áreas condensadas na região Sudeste.

Tem-se, como consequência, sérios problemas com as alterações climáticas e a degradação ambiental, trazendo enormes prejuízos à qualidade de vida das populações, das pessoas, bem como para a gestão das cidades.

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Funções e benefícios

Em resposta a esse cenário, cada vez mais estudos vêm demonstrando os benefícios das árvores urbanas.

Para além de questões estéticas e de recreação, elas desempenham outras funções importantes, a saber:

a) Ecológicas, como amenização climática e redução do escoamento superficial de águas pluviais;

b) Econômicas, na valorização de propriedades ou diminuição de energia elétrica utilizada no resfriamento de ambientes;

c) Culturais, na valorização do patrimônio e memória cultural e do sentido de identidade;

d) Sociais e de saúde pública, com benefícios, entre outros, à saúde física e mental;

e) Resiliência das cidades, proteção de pragas e doenças, mudanças no clima, aumento das interações sociais e de benefícios à saúde, inclusive quanto ao bem-estar físico e psicológico.

Ressalta-se que, na maioria dos casos, a escassez de áreas verdes, em meios urbanos, se dá por total falta de planejamento e investimento necessários e não por falta de espaço.

Existem, no Brasil, muitos municípios que nem secretaria do meio ambiente possuem em sua estrutura administrativa.

Ainda há municípios que não elaboraram e colocaram em prática seus planos de arborização urbana municipal, nos quais estão compreendidas as normas e regulamentações técnicas que devem ser seguidas no planejamento, implantação e manutenção das áreas verdes urbanas.

Nesses planos são abordados as características do município, o histórico da arborização, a lista de espécies arbóreas indicadas para plantio, o manejo em caso de poda ou remoção, dentre outras práticas.

Portanto, que possamos transformar o descaso presente em oportunidades futuras!

Que possamos auxiliar na formatação de políticas públicas que tenham foco na arborização adequada e necessária de nossas cidades!

E que possamos compreender as árvores como elas realmente são: entidades munidas de especiais funcionalidades, que agregam e oferecem qualidade de vida a todos.

*O autor é biólogo.

Foto/arte: Alex Fideles