Tenório Telles lança edição comemorativa do Clube da Madrugada

A obra homenageia os setenta anos de criação do clube que rompeu com outros gêneros literários que persistiam no Amazonas

Tenório Telles lança edição comemorativa do Clube da Madrugada

Wilson Nogueira, da Redação do BNC Amazonas

Publicado em: 26/09/2024 às 06:17 | Atualizado em: 26/09/2024 às 10:59

Clube da Madrugada: presença modernista no Amazonas (Valer, 2004), livro de Tenório Telles. A obra retorna aos leitores depois de duas edições esgotadas, com acréscimos importantes e necessários para a melhor compreensão do movimento cultural que revolucionou a literatura e as artes no Amazonas.

A nova edição traz o fac-símile do Manifesto do movimento. Ele foi publicado em novembro de 1955. Além desse texto, estão no livro também outros documentos inéditos e fotografias publicados na revista do Clube.

Com essa obra, Telles e o editor da Valer, jornalista Isaac Maciel, homenageiam os setenta anos de criação do clube que rompeu com outros gêneros literários que persistiam no Amazonas. Entre esses, estava o parnasiano, mesmo diante do modernismo que se anunciou para ficar por meio da Semana de Arte Moderna de São Paulo, em 1922.

Assim, Telles compartilha com os leitores a matéria-prima das suas pesquisas, tornando-as acessíveis a prováveis novos estudos sobre o tema. Esse material foi “garimpado”, principalmente, em acervos de membros do movimento.

“Este livro é um tributo à memória literária do Amazonas. Destacamos os autores que ajudaram a manter viva a tradição da palavra em nossa terra e legaram à literatura brasileira obras que engrandecem a língua de Camões e Machado de Assis”, comentou Telles.

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História do livro

A história da atualização da obra é importante, porque revela todo o esforço do autor, apoiadores, intelectuais e realizadores, com destaque para a Valer. Foi a editora que lançou a primeira edição em 1991.

Sabe-se, por isso, que a obra nasceu da inquietação do então professor de cursinho de vestibular Tenório Telles. Na ocasião, ele tinha incentivo dos seus colegas do curso Giz, primeiro a preparar vestibulandos, com material próprio, para as questões de Literatura Amazonense do vestibular da Universidade do Amazonas (UA).

Havia, urgência, também, na elaboração e impressão de conteúdos com dissertação e crítica sobre a Literatura Amazonense. Esta se tornaria obrigatória nos cursos da Faculdade de Letras da UA.

Livros com temas amazônicos e, principalmente, sobre literatura eram raros. Professores universitários de cursinhos usavam cópias impressas em mimeografo para assistir aos alunos com conteúdo referenciado e qualificado.

Best-seller

Do Giz, as apostilas elaboradas por Telles foram parar nas edições de a Crítica, o jornal de maior circulação do Amazonas, antes da internet, com destaque de suplemento semanal.

“O primeiro texto [sobre o Clube da Madrugada] é publicado. Ainda relativamente cedo para aquela manhã da semana, não havia mais um exemplar do jornal a Crítica. Nem mesmo na sede. Pode-se dizer, então, que o Tenório foi o primeiro best-seller manauara in Manaus”, assinala o professor Victor Carlos da Silva Gondim, em Nota amiga, na abertura do livro.

É assim que a história e a produção do Clube da Madrugada saem dos escaninhos das universidades e das bibliotecas públicas e privadas para o conhecimento dos jovens que se preparavam – e ainda se preparam – para o ingresso no Ensino Superior.

Pioneiros

É esclarecedora a posição de Telles quanto a influência dos literatos e artistas da Semana de 22 sobre seus colegas amazonenses. Mas é corrente a interpretação de que o modernismo chegou tardiamente no Amazonas, exatamente com a fundação do Clube da Madrugada.

Telles concorda com a versão de que o Clube imprime simetria à produção literária e artística amazonense ao feitio do modernismo, mas explica que, antes, autores como Pereira e Silva (Poemas amazônicos), Violeta Branco (Ritmos de inquieta alegria, 1935), Thiago de Mello (Silêncio das palavras, 1951) haviam rompido com o academicismo da época.

Anota Telles que o Clube também abriga, na poesia, autores influenciados pela Geração de 1945, ou a fase pós-moderna, que se estendeu até aos anos de 1970 com o surgimento das obras de João Cabral de Melo Neto (Morte e vida Severina), Guimarães Rosa (Grande sertão veredas), Clarice Lispector (A hora da estrela).

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Pós-Madrugada

Na segunda metade dos anos de 1970, o autor identifica o enfraquecimento do Clube da Madrugada e surgimento de autores independentes e atentos ao novo momento literário: o Pós-Madrugada. No caso da ficção, dois autores atingem um público amplo, no Brasil e no exterior, em recepção positiva da crítica:

• Márcio Souza (Galvez, Imperador do Acre, 1976), Mad Maria (1980), Lealdade (1997), Milton Hatoum, com Relato de um certo Oriente (1989), Dois irmãos (2000) e Cinzas do Norte (2005).

Destacam-se ainda, nesse no contexto Pós-Madrugada:

Aldisio Filgueiras, com Malária e outras canções malignas (1976), A República muda (1989) e Manaus, as muitas cidades (1994);

Anibal Beça (falecido em 2009), com Convite frugal (1966), Os filhos da várzea (1984), Itinerário da noite desmedida à mínima fratura (1987), Suíte para os habitantes da noite (1995) e Banda da asa (1998);

Zemaria Pinto, com Corpoenigma (1994), Fragmentos de silêncio (1996), Música para surdos (2001);

Dori Carvalho, com Desencontro das águas (1986), Paixão e fúria (2004); Cláudio Fonseca, com Vitral (1995); e Efraim Amazonas, com Algum verso (1993).

Lírica marginal

Entre os autores que destoam da poesia e prosa da nova fase da literatura amazonense, Telles destaca:

• Simão Pessoa construiu uma obra poética singular e em sintonia com a lírica “marginal” dos anos de resistência à ditadura militar, na segunda metade dos anos de 1960 e na década de 1970, com os livros Old fashioned (1977), Ócio dos ofídios (1978), Carajo (1979), Porandubas (1984), Brinca com meu brinco (1986), Guarânia com guaraná (1989) e Matou Bashô e foi ao cinema (1992).

• Tenório Telles, com Primeiros fragmentos (1988), Estudos de literatura brasileira e amazonense (1995), Introdução à literatura brasileira (2003), Estudos de Literatura do Amazonas (2020); Viver (2011), Renovação (2012), Canção da esperança & outros poemas (2011), Prelúdio Coral (2020) e Manaus – solo dissonante (2020).

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Trecho

“A literatura que se produz no Amazonas reflete os impasses e dilemas vividos por uma cultura periférica, limitada pela mentalidade provinciana dominante, pelo descompasso em relação às transformações sociais e artísticas que ocorrem nos grandes centros culturais, pelo caráter compulsório e flutuante de seu processo histórico.

Com o advento do movimento modernista, os escritores amazonenses empreenderam um grande esforço para romper com os padrões estéticos do passado e superar a mentalidade extrativista e acadêmica. Influenciados pelo novo e motivados pelo espírito crítico, os novos poetas e prosadores lutaram pela atualização e renovação da cultura regional.

Ainda que de uma forma assistemática e tardia, os jovens artistas do movimento Madrugada sofreram os influxos do Modernismo brasileiro, surgido a princípio no Sudeste do país, e tendo como marco inicial a Sema- na de Arte Moderna, realizada em São Paulo, em 1922.”

Conteúdo

  • Nota amiga – Victor Carlos da Silva Gondim
    Clube da Madrugada – presença modernista no amazonas
    • O Movimento Madrugada – estética e realidade
    • Tradição e ruptura na produção literária do Amazonas
    • A estética modernista
    • O Modernismo no Amazonas
    • O Clube da Madrugada
    • Significado histórico
    Espaço lírico – margens da poética do movimento Madrugada
    • Poesia e existência [em Jorge Tufic]
    • Tempo e poesia [em Luiz Bacellar]
    • A poesia como paixão e vida [em Thiago de Mello]
    • Da solidão e do tempo, [em Antisthenes Pinto]
    • Poesia e memória [em Astrid Cabral]
    • Transcendência e realidade [em Alencar e Silva]
    • Lírica e compromisso social [em Farias de Carvalho]
    • O poético como metáfora do sagrado [em L. Ruas]
    • A poesia como expressão do telúrico [em Elson Farias]
    • Realidade e consciência [em Alcides Werk]
    • Do azul e outras canções – lirismo e existência [em Ernesto Penafort]
    • A poesia como metáfora do sagrado [em Max Carphentier]
    • Lirismo e espiritualidade [em Guimarães de Paula]
    Espaço ficcional – real e surreal
    • Ficção e testemunho sobre a vida ribeirinha [em Arthur Engrácio]
    • Sombras e águas-fortes – literatura e cotidiano [em Carlos Gomes]
    • O fantástico e a transfiguração da realidade [em Erasmo Linhares]
    • Alteridade e transfiguração da realidade [em Francisco Vasconcelos]
    • Pós-madrugada – a literatura como transgressão e crítica
  • Anexo: documentos – Clube da Madrugada

Luiz Bacellar, um dos gênios do Clube

Fotos: Divulgação