As mãos

Elas assumem um protagonismo especial. Mãos trêmulas de alguns, mãos que parecem querer esmurrar seus adversários, mãos que tocam e retocam papéis e microfone a todo instante

Ferreira Gabriel, por Flávio Lauria*

Publicado em: 20/09/2024 às 10:41 | Atualizado em: 20/09/2024 às 10:43

Caros leitores, prestem atenção nas mãos de candidatos a prefeito de Manaus, na propaganda eleitoral ou nas entrevistas.

Vejam as mãos, nenhuma pega cadeira para bater em adversário, como símbolo criado para o contraste poético na história dos homens.

Elas assumem um protagonismo especial. Mãos trêmulas de alguns, mãos que parecem querer esmurrar seus adversários, mãos que tocam e retocam papéis e microfone a todo instante.

Encontro em cada uma das mãos, algo original no tipo, no formato e nos fins que tinham em vista: vejo mãos carregadas de um lirismo ingênuo, mãos que gesticulam, criam, falam.

Vejo mãos verdadeiras, acolhedoras e reflexivas. Mas, vejo também mãos cruéis, dominadoras, fazendo o contraponto com as mãos calejadas pelo trabalho e demasiado sujas com as dores ou desgraças do mundo.

Todas as mãos deveriam ser profundamente assépticas. Exatamente como as mãos de um cirurgião no instante em que apanha o bisturi para salvar uma vida.

Pela defesa ferrenha de alguns candidatos, cheguei até a pensar que, neles, só tem mãos limpas.

As mãos assumiram um significado importante na história.

Elas servem, por exemplo, para barrar os escândalos, a corrupção ou o nepotismo.

Como imaginar um governo com mãos autoritárias, ou inversamente, com mãos frouxas?

A lassidão permite sentir a vertiginosa sensação de queda e de vazio no poder que acabará por converter a sociedade numa Babel. Falo aqui da Babel complexa que se faz perceber no levantar coletivo de uma multiplicidade de mãos, numa espécie de coreografia de massa. É como se observássemos um espetáculo de balé de sombras.

Nessa representação real, as mãos são de todas as cores, idades e formatos.

Agora fechadas – numa situação de protesto –, elas exigem direitos constitucionalmente assegurados e reclamam a segurança pelo menos no uso do transporte coletivo sem serem violentadas.

Esperam justiça no ressarcimento das suas perdas e a não humilhação que se evidencia numa simples frase: resistir é perigoso e denunciar é inútil.

Novamente as mãos. Mãos agora sitiadas. Mãos que recusam as leis ditadas pelos homens porque eles não representam os verdadeiros interesses e necessidades daqueles que os elegeram.

Revemos as mãos do Estado: frouxas, flácidas, hesitantes. Mãos que não sabem encontrar alternativas para os conflitos existentes na sociedade, mãos que levantam o dedo polegar direito – exatamente como nas grandes arenas romanas – para a defesa do direito de propriedade e, ambivalentemente, alçam o mesmo polegar, desta vez o esquerdo, para a retórica do direito à moradia daqueles privados de teto.

Mãos que, imitando Pilatos, são lavadas perante o público no firme desejo de isenção de responsabilidade pelos atos espúrios ou ilegais dos seus súditos.

Mãos do Estado, manietadas ou subjugadas pelos acordos nos bastidores, pela ideologia capitalista e pelas teias dos poderosos, sempre invisíveis ou ocultos.

Sempre as mãos.

*O autor é mestre e doutor em administração pública.

Foto: Reprodução