“Eu sou azul até morrer, Caprichoso até morrer…”. Voa, pássaro sonhador

Neuton Correa

Publicado em: 30/12/2019 às 06:32 | Atualizado em: 19/01/2020 às 11:25

Réquiem por Arlindo Júnior*

 

4h43. 9 de fevereiro de 2018. Algo me fez acordar. Nem gosto mais de me apresentar antes do Sol. Considero que já paguei minha etapa como soldado, como agricolino. Todavia, nesta sexta uma luz azul me jogou da rede e dos sonhos que estava tendo. Eram lembranças de Parintins. Muitas. Trechos de canções insistentemente me povoam a mente, em profusão estranha, me impelindo a escrever algo sobre o Arlindo Júnior.

No fundo, sem querer admitir, eu sabia que era um presságio. Um bom presságio. Não digo que era inspiração porque ela é afeita aos iluminados pelo poder da criação. Como diz a letra do João Nogueira na música que um amigo tanto gosta:

“É, faz pensar que existe uma força maior que nos guia, que está no ar, bem no meio da noite ou no claro do dia. Chega a nos angustiar”.

Isso mesmo. Uma angústia. Angústia pelo que passava o Arlindo desde há dois anos, com esses males que cruzam o caminho da vida. Apesar dos pesares, a maneira como enfrentou a doença e o sofrimento deveria servir de espelho pra muita gente. Nunca o vi se queixando. Ao contrário, tava sempre fazendo aquela cara de alegre, otimista, postando uma mensagem otimista, pra cima, como era o seu elevado espírito. Admirava-o muito mais por isso.

Mas, não foi para isso que acordei. Minha fé no Criador, no Grande Arquiteto do Universo, é bastante para me confortar que tudo só é quando tem de ser, que só acontece quando Ele assim determina. Portanto, o que nos cabia nessa hora era orar e vigiar por Arlindo.

O pensamento nele fortalece minha convicção sobre o tema da morte. A física. No sentido de não lhe dar moral. Ela, a morte, não é nada. Nem existe, para certos seres. O poeta disse que nunca vai se encontrar com a morte. “Quando ela vir me buscar, já não estarei aqui para encontrá-la”. É isso.

O Arlindo é um desses para quem a morte não cola. Ele sempre estará conosco. Como em show sem fim no centro da arena, desfilando um estilo todo próprio que criou para enfrentar o gigante David.

Arlindo será para o mundo da toada como o Raulzito é para o rock. Partiu há tanto tempo, mas ao ouvir suas músicas parece que ele está aqui.

O espírito não morre, ainda que a matéria adormeça.

A frase-título deste texto foi fácil escolher. Podia ser qualquer uma das letras das toadas que o Arlindo imortalizou. Principalmente as que nasceram das mentes iluminadas de Simão Assayag e Ronaldo Barbosa.

Quando tive a satisfação de conhecer essa dupla, à beira do lago, em um cenário de paz, é que comecei a entender o porquê de suas criações se encaixarem tanto nas toadas azuis, como candelabros, como borboletas. Tudo azul. Que, assim como o Arlindo, jamais serviria ao “outro lado”. Jamais.

O meu despertar nesse raiar do dia 9 não tinha nada a ver, portanto, com morte, com escolher epitáfio para o Arlindo. Ao contrário, foi para falar de vida, de fôlego, de gás, de amor. O mesmo que ele sempre dedicou à toada, ao Touro Negro da América, à festa dos bois. Sim, dos bois, porque ele também falava e divulgava o “contrário”.

Foi dos primeiros a entender a importância do festival e a divulgá-lo como espetáculo, como show. E hoje posso imaginar o quanto se sentia feliz ao ver Parintins ser reconhecida como a cidade brasileira do boi-bumbá. Muito desse título se deve ao Arlindo, sem dúvida.

Essa mesma cidade, onde desembarcava há 30 anos para cantar pagode e hoje tem sua voz imortalizada na toada e no coração da nação azul-e-branca, lhe rende homenagens neste dia 9, com os amigos artistas cantando no Ilha Verde para juntar recursos para ajudar no seu tratamento.

Hoje, penúltimo dia de 2019, 5h47, Arlindo já deixou este plano há poucas horas. Adormeceu, para esperar a hora de despertar. Igual como regia a galera azul, encolidinha esperando o sinal.

A grande e infalível travessia do velho canoeiro não nos preocupa.

Arlindo é eterno, “assim como sempre será eterno o Criador”.

 

“A fogueira espera a chama

o sol beijar o teu rosto

o vento os teus cabelos

assim como a selva

o filho que partiu”  

 

Uma singela homenagem deste fã, Aguinaldo Rodrigues, do time BNC Amazonas, no dia em que este vale de lágrimas ficou mais triste e vazio