Venezuelanos acompanham em Manaus clima tenso com eleição de Maduro

Em um movimento espontâneo, chegaram ao largo São Sebastião e à avenida Djalma Batista caravanas de veículos de aplicativos dirigidos por venezuelanos, e outras pessoas empunhando bandeiras do Brasil e da Venezuela

Dassuem Nogueira, da Redação do BNC Amazonas

Publicado em: 12/08/2024 às 18:00 | Atualizado em: 12/08/2024 às 18:52

Migrantes e refugiados venezuelanos que residem em Manaus acompanham com preocupação o possível prolongamento do mandato do presidente Nicolás Maduro, a quem eles se referem como ditador, por mais seis anos.

A eleição ocorrida no dia 28 de julho, na qual Maduro foi proclamado eleito pela autoridade eleitoral venezuelana, é questionada por países e organizações multilaterais, como a Organização dos Estados Americanos (OEA), por suspeita de fraude.

Até agora, os observadores da eleição ainda não receberam atas de votação para checar a lisura do pleito.

Insatisfeitos com “as manobras de Maduro”, milhares de pessoas têm saído as ruas desde a madrugada do dia 29 de julho.

Nos confrontos das forças de segurança de Maduro com os manifestantes, pelo menos 24 pessoas morreram e 192 ficaram feridos, estimam fontes de ongs de direitos humanos.

No domingo das eleições, parte da comunidade venezuelana se dirigiu aos pontos tradicionais das manifestações políticas em Manaus para aguardar o resultado.

Em um movimento espontâneo, chegaram ao largo São Sebastião, no centro, e à avenida Djalma Batista, zona centro-sul, caravanas de veículos de aplicativos dirigidos por venezuelanos, e outras pessoas empunhando bandeiras do Brasil e da Venezuela.

Angel Rodriguez, 28 anos, é um dos venezuelanos que foram ao largo de São Sebastião, no entorno do Teatro Amazonas, para esperar o resultado das eleições.

Sua expectativa era de que Maduro fosse derrotado, pois era isso que ele apreendia de seus amigos e familiares por meio de suas redes sociais.

Ele passou dois dias sem dormir, acompanhando os perfis dos representantes da oposição, como María Corina Machado.

“Eu fiquei muito sem jeito ontem [dia 29 de julho]. Imediatamente ao ver os resultados entrei no meu quarto e chorei como se tivesse perdido um familiar muito próximo. Não consegui dormir só olhando as notícias no celular”.

Maria Corina passou as últimas semanas reunindo as atas de votação e pedindo transparência nas eleições.

E contava com o engajamento digital dos venezuelanos residentes em Manaus, como Rodriguez.

“Fui seguindo as páginas de atualização da situação lá. Muitos bairros de Caracas desceram dos cerros [favelas] para protestar. O país está assim agora: confrontando as forças armadas e os coletivos de milicianos armados de Maduro”.

Raiso González, 25 anos, e Moisés Salazar, 29, barbeiros, disseram o que pensavam sobre a reeleição de Maduro.

“Ele não ganhou, ele roubou!”.

Reação semelhante teve a maioria dos venezuelanos.
Moisés disse que ficou triste, pois “tinha esperança de que ele [Maduro] saísse do poder”.

Assim como Rodriguez, eles acompanham a situação da Venezuela pelas redes sociais.

Em Puerto Ordaz e San Felix, cidades que se ligam a Manaus por estrada, seus parentes lhes contam que há toque de recolher e são coagidos para não andarem nas ruas após às 20 horas. “É uma guerra. Depois dizem que não vivemos uma ditadura”.

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Sem direito a voto

A chamada Nova Lei da Migração, de novembro de 2017, pelo menos em teoria, reconhece igualdade de direitos e deveres entre nacionais e imigrantes, independentemente de seu status legal.

A única exceção são os direitos eleitorais.

Portanto, os venezuelanos não podem nem se candidatar nem votar no Brasil.

Para conseguir votar nas eleições da Venezuela, eles teriam que se dirigir a um consulado ou embaixada.

Em Manaus, por exemplo, o consulado da Venezuela foi desmontado, restando apenas uma representação diplomática no bairro Adrianópolis. Só era possível votar no consulado em Brasília.

Desse modo, os imigrantes venezuelanos em Manaus não podem exercer sua cidadania nem em um país nem em outro.

Para González, Maduro jamais permitiria que os venezuelanos que saíram do país votassem.

“Nós não concordamos com o seu governo. Se os venezuelanos pudessem votar, ele teria que sair do poder. E isso ele não quer”.

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Manaus hispano-latina

Manaus é a segunda cidade brasileira com maior contingente de migrantes e refugiados venezuelanos.

Fica atrás apenas de Boa Vista, capital de Roraima, segundo dados de dezembro de 2023 compilados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur).
Também é o segundo município em contingente de venezuelanos instalados pelo plano de interiorização da operação Acolhida (cerca de 5.519 pessoas), atrás apenas de Curitiba (PR), segundo dados da Organização Internacional das Migrações.

Manaus e região metropolitana também são o destino final preferencial dos migrantes e refugiados venezuelanos, seguidos de Curitiba (PR) e Boa Vista (RR).
A concentração de venezuelanos modificou a paisagem sociocultural de Manaus.

Hoje em dia, a capital manauara experimenta um cosmopolitismo hispano-latino inédito até então.

É possível perceber o sotaque manauara incrementado pelo acento espanhol nas ruas da cidade. E algo ainda mais intrigante: as gírias e expressões manauaras com os tonais em espanhol, como “mano” e “mana”.

Além de músicas como a salsa e reggaeton ecoando nos transportes como ônibus e veículos de aplicativos, nas casas e nos comércios.

A arepa, massa feita de farinha de milho branco, que pode ser consumida assada ou frita, simples ou recheada, é facilmente encontrada pela cidade.

Especialmente como comida de rua, prontas para alimentar rapidamente tanto os venezuelanos durante as jornadas de trabalho quanto os manauaras afeitos a experimentar novos sabores.

Assim como a cultura e a língua, Manaus também passou a ressoar a política venezuelana.

Portanto, os acontecimentos importantes como a eleição presidencial no país vizinho foi um acontecimento na cidade.

A presença da comunidade venezuelana em Manaus implica em um aprendizado de mão dupla.

Aprendemos com eles sobre uma américa latina da qual nos vemos pouco integrados como brasileiros.

E eles aprendem sobre o Brasil e os brasileiros.No caso, sobre Manaus e os manauaras.

Um desses aprendizados foi onde ir realizar manifestações.
Algo intrigante é que, ao conversar com os venezuelanos, é possível notar certa confusão entre Bolsonaro como representante da esquerda brasileira ou Lula como representante da direita.

A relação negativa que fazem entre Maduro e o socialismo, entre direita e esquerda, não raro, se espelha invertida em Lula e Bolsonaro, representantes dessas correntes políticas no Brasil.

Fotos: Angel Rodriguez/cedidas gentilmente ao BNC Amazonas