Narcotizados pelo excesso de informação
O consumo de informação e discussões superficiais cria uma sociedade bem informada, porém menos ativa. Desta forma, uma sociedade narcotizada

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*
Publicado em: 27/07/2024 às 02:00 | Atualizado em: 29/07/2024 às 13:19
A revolução tecnológica do século XXI oferece uma experiência única na história da humanidade. No entanto, as ferramentas tecnológicas possibilitaram uma avalanche diária de informações que está narcotizando uma grande parcela da população.
Hoje, a sociedade vive o conceito de “disfunção narcotizante”, introduzido pelos sociólogos Paul F. Lazarsfeld e Robert K. Merton no artigo “Comunicação de massa, gosto popular e ação social organizada”, que foi publicado em 1948. Este conceito se refere ao paradoxo de que a intensa exposição às informações por meio de veículos de comunicação de massa, ao invés de motivar ações concretas, pode levar à apatia e, consequentemente, à inércia social.
Uma sociedade narcotizada
Segundo Lazarsfeld e Merton, na sociedade moderna, os meios de comunicação de massa desempenham um papel fundamental na formação da opinião pública e na disseminação de informações. Todavia, paradoxalmente, à medida que os indivíduos têm mais acesso às notícias e informações, de maneira geral, eles ficam cada vez mais sobrecarregados e tendem a se tornar mais passivos.
Esta sobrecarga de informações pode trazer às pessoas a falsa sensação de que estão bem informadas e, portanto, cumprindo seu dever de cidadãos, mesmo que não tomem nenhuma atitude efetiva para resolver os problemas sociais que surgem diante de seus olhos.
Portanto, a disfunção narcotizante tem a ver com a inércia social. Trata-se de uma falsa sensação de completude, de que se está fazendo algo. Porém, na realidade, não se faz nada que efetivamente resulte em mudanças sociais, muitas tão necessárias. Além disso, a apatia e a constante exposição aos problemas sociais e às crises podem levar ao surgimento da insensibilidade e da indiferença.
A “ingestão” pura e simples de informações não gera nada. Não produz mudanças comportamentais no sentido da tomada de consciência para uma ação política. O consumo de informação e discussões superficiais cria uma sociedade bem informada, porém menos ativa. Desta forma, uma sociedade narcotizada.
Decisão e ação
Lazarsfeld e Merton afirmam que o cidadão interessado e bem informado “pode contentar-se com seu elevado grau de interesse e negar-se a ver que se absteve de tomar uma decisão e de agir. Ele toma seu contato secundário com o mundo da realidade política pela leitura de sua condição e o seu pensar como uma ação direta. Confunde, assim, o fato de conhecer os problemas cotidianos com a prática salutar de atuar sobre eles”.
Os sociólogos não estão falando que a informação não é importante. Na verdade, hoje, informação é poder. É tudo. Todavia, eles alertam para o necessário estabelecimento de uma linha divisória entre a informação e a conscientização para a tomada de decisões e o desenvolvimento de ações políticas. É preciso, portanto, encontrar um equilíbrio entre estar informado e ser ativo.
Em uma sociedade interconectada, com redes sociais de grande alcance, circulação massiva de informações, mesmo que muitas delas sem qualidade alguma, a tendência é que o efeito narcotizante torne as pessoas cada vez mais “drogadas” de informações, porém, alienadas politicamente.
Conclusão
Uma avalanche de informações vindas de todos os meios midiáticos possíveis, sejam elas triviais, técnicas demais ou até mesmo falsas – e produzidas desta forma propositalmente, com o intuito de gerar caos, negacionismo e imobilismo político –, passa a ser parte constituinte de um mesmo problema: todos os estratos sociais, independentemente de seus posicionamentos, estão narcotizados pelo excesso de informação.
*Sociólogo
Arte: Gilmal