Uma “cracolândia” virtual no Brasil

O autor aborda o tema apostas on-line. E diz: "Para mim, não há muita diferença entre uma pessoa viciada em jogos de apostas on-line e uma pessoa viciada em qualquer outra substância entorpecente."

Uma “cracolândia” virtual no Brasil

Ednilson Maciel, por Aldenor Ferreira

Publicado em: 20/07/2024 às 02:30 | Atualizado em: 22/07/2024 às 12:06

O Brasil vive uma tragédia com os inúmeros jogos de apostas on-line. A cada dia milhares de pessoas adentram nestes espaços e trazem para si um vício que, certamente, os arruinará. Há relatos feitos por profissionais da área da Psicologia que atestam que muitas pessoas estão comprometendo todos os seus recursos financeiros nestes jogos. 

No Brasil, os cassinos físicos são proibidos desde 1946, mas os cassinos on-line operam em uma área cinzenta da lei. Atualmente, não há regulamentação específica que proíba explicitamente os cassinos on-line e, por isto, muitos brasileiros acessam sites de jogos de apostas sediados fora do país. 

O governo brasileiro tem discutido a regulamentação dos jogos de apostas on-line. Algumas propostas de lei já foram apresentadas neste sentido, visando à tributação desta atividade. No entanto, ao menos para mim, este tema ainda é tratado de forma vaga e imprecisa por aqui.

Dependência

O fato concreto é que muitas pessoas desenvolvem dependência dos jogos de apostas on-line. Há uma dedicação, praticamente, exclusiva para este tipo de entretenimento. Para além da ruína financeira, esta dependência pode levar a problemas sérios de saúde mental como ansiedade, depressão e até mesmo isolamento social. 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) já reconhece como um problema de saúde mental o “transtorno do jogo”, também conhecido como “distúrbio de games”. Ele se caracteriza por um comportamento persistente em que o jogador, ao perder, mesmo decepcionado, volta a jogar. O desejo de recuperar o que perdeu segue ad infinitum. 

Além disso, há um enorme impacto no processo educacional de crianças, adolescentes e jovens, devido ao tempo excessivo dedicado e desperdiçado em jogos on-line. Muitos estudantes negligenciam os estudos e as responsabilidades escolares para dedicarem seu tempo aos jogos. 

Neste âmbito, a ausência de um sono profundo, restaurador, devido às longas sessões de jogos durante a noite, também afeta a capacidade de concentração e o aprendizado. O resultado disto é materializado no baixo desempenho e, muitas vezes, no abandono escolar. 

Riscos iminentes

Como dito, o tema jogos de apostas on-line ainda está em um terreno pantanoso no Brasil. Neste sentido, ainda pensando em crianças, adolescentes e jovens, há riscos significativos para a segurança deles. Muitos jogadores(as) podem sofrer com o cyberbullying – bullying realizado por meio das tecnologias digitais –, fato que pode vir a desencadear ansiedade e depressão.

Além disso, como em uma selva, o ambiente virtual pode ser muito perigoso. A interação com desconhecidos nas plataformas de jogos pode expor crianças, adolescentes e jovens ao que se convencionou chamar de predadores on-line. Há também casos de golpes e fraudes, onde estes(as) jogadores(as) são enganados(as) e perdem muito dinheiro.

Neste sentido, para além dos riscos supracitados, os jogos de apostas on-line têm produzido verdadeiros zumbis a vaguear diuturnamente pela Internet em busca de novas apostas. Há hoje no país uma verdadeira “cracolândia” virtual, com pessoas arruinadas pelo vício se desfazendo de bens familiares, como casa, carro, terreno e objetos pessoais, buscando angariar recursos para continuar jogando.  

Além disso, uma parte considerada dos recursos financeiros que deveria ser empregada na aquisição de bens tangíveis para movimentar o comércio varejista, por exemplo, é carreada para os jogos de apostas virtuais.

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Conclusão  

Em uma sociedade com baixíssimo nível de educação financeira e que anseia por uma vida melhor todos os dias, como a sociedade brasileira, jogos como o Jogo do Tigrinho, por exemplo, são portas abertas para a tragédia pessoal e o caos social. Neste âmbito, para enfrentar esta tragédia, o governo brasileiro precisa adotar medidas preventivas mais efetivas. 

Entendo que não basta apenas regulamentar e liberar os jogos de apostas on-line. É preciso que a regulamentação seja clara, com medidas duras que responsabilizem as empresas e as obriguem a pagar multas altas e arcar com as despesas do tratamento daqueles(as) que ficaram viciados(as) por meio de seus jogos. 

Para mim, não há muita diferença entre uma pessoa viciada em jogos de apostas on-line e uma pessoa viciada em qualquer outra substância entorpecente. Todos(as) precisam de tratamento eficaz. Por hora, o que estamos assistindo no Brasil é o crescimento avassalador de uma “cracolândia” virtual, sem tirar nem por. 

* O autor é sociólogo 

Arte: Gilmal