A desconexão da ciência com a política

Para além do negacionismo científico, de muitos gestores públicos, há também uma política irracional de desmonte da legislação ambiental

A desconexão da ciência com a política

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*

Publicado em: 13/07/2024 às 02:00 | Atualizado em: 13/07/2024 às 02:17

As mudanças climáticas repentinas já são realidade em nosso país. Os cientistas, por diversos meios, têm alertado as autoridades sobre as causas e as consequências destas mudanças. Todavia, parece que há uma desconexão entre a ciência e a política. Uma desconexão que não traz resultado positivo para ninguém. 

Para além do negacionismo científico, de muitos gestores públicos, há também uma política irracional de desmonte da legislação ambiental, bem como da redução do aparato técnico-burocrático-institucional para o eficiente combate às mudanças climáticas.

Hoje, no Brasil, há pesquisas de ponta mostrando claramente as alterações causadas por ações antrópicas em todos os biomas brasileiros. Além disso, os pesquisadores não ficam restritos apenas às análises dos fenômenos. Com os resultados de suas pesquisas, eles indicam caminhos possíveis para a mitigação dos efeitos colaterais provenientes do uso inadequado das terras, das florestas e das águas. 

A ciência já sabe 

O caso das enchentes no Rio Grande do Sul é emblemático. Esta unidade da federação enfrentou a pior tragédia de sua história. De acordo com reportagem do jornal O Globo, de 19 de maio de 2024, “na região hidrográfica do Lago Guaíba, a estimativa é de que tenham sido afetados com algum nível de inundação 301.738 domicílios em 125 municípios. Já em propriedades rurais, de todo o estado, foram 7.854 locais inundados em 58 municípios”.

Sem dúvida, uma tragédia. Porém, a ciência já previa isto. Há dezenas de estudos científicos que indicavam a possibilidade de as enchentes ocorrerem, assim como há muitos estudos indicando que o Rio Grande do Sul, por ser um estado que é ponto de encontro de sistemas tropicais e polares, ainda vai viver muitos eventos extremos como este ou ainda piores. 

Se, por um lado, a Ciência avança cada vez mais nas pesquisas relacionadas às mudanças climáticas, por outro lado, paradoxalmente, o negacionismo científico adentra os espaços decisórios do poder político de forma avassaladora, como nunca se viu na história deste país. Com efeito, não haverá saída. A política terá que se curvar à ciência. Caso contrário, não haverá perspectiva nenhuma de um futuro tranquilo para todos nós.

Ciência e política

Max Weber, ao palestrar na Universidade de Munique entre 1917 e 1919, falou sobre as diferenças entre as vocações de um cientista e de um político, bem como dos valores e responsabilidades inerentes a cada um destes profissionais.

Para o sociólogo alemão, a ética da responsabilidade é o “agir considerando as consequências”. Já a ética da convicção é o “agir conforme princípios morais rígidos”. Ele argumenta que um político deve buscar o equilíbrio de ambas para que se torne um político eficaz. 

Neste âmbito, Weber ressalta ainda a importância da integridade e do compromisso com os valores intrínsecos de cada vocação, fornecendo uma base teórica importante para a compreensão da sociologia da ciência e também da política.

A análise weberiana acerca da ciência e da política como duas vocações é muito importante. Certamente, na política, a gestão precisa agir considerando sempre as consequências e, ao mesmo tempo, agir conforme princípios morais rígidos. Noutras palavras, é uma questão de ética, no sentido weberiano, ouvir os cientistas antes de se tomar qualquer decisão relacionada ao meio ambiente, ainda mais no contexto das mudanças climáticas.

Conclusão

Concluo, afirmando que a tragédia ocorrida no Rio Grande do Sul, bem como as queimadas no Pantanal e na Amazônia, ou mesmo o enfrentamento de pandemias como a da Covid-19 poderiam ser administradas de maneira muito mais eficiente, e até mesmo evitadas ou mitigadas, se os gestores públicos ouvissem os cientistas.

A complexidade e os riscos são partes constituintes do mundo moderno. Neste sentido, não é mais possível que a gestão de uma cidade seja baseada no senso comum e no improviso. O Estado, e por consequência a sua gestão, deve ser pautada pela racionalidade científica.

Portanto, se a política não der ouvidos à ciência e o negacionismo prevalecer, não haverá solução. Caso não haja a reconexão urgente da ciência com a política, os eventos extremos, que inevitavelmente serão cada vez mais frequentes, produzirão ainda mais caos.

*Sociólogo 

Arte: Gilmal