Segunda noite de festival 

Márcia Siqueira cantou a toada "Matawi Kukenan" durante o momento ritual, um feito inédito para uma levantadora.

Mariane Veiga,

Por Dassuem Nogueira*

Publicado em: 30/06/2024 às 10:58 | Atualizado em: 30/06/2024 às 11:22

O boi-bumbá Caprichoso abriu a segunda noite do festival folclórico de Parintins com o tema Tradições, o flamejar da resistência popular. 

Como tem sido desde 2018, o boi-bumbá veio com as pinturas africanas na segunda noite. A agremiação fez um espetáculo grandioso, sem deixar espaço na arena entre os atos. 

A cunhã-poranga azulada, mais uma vez, veio com um pesado arsenal de performances. Marcielle Munduruku surgiu das alturas. Em seguida, se transmutou em gavião e subiu em uma onça. 

Sua fantasia estava com lindos grafismos indígenas e cores cruas, quebrando o padrão colorido das fantasias do boi bumbá.

A lenda amazônica da noite falou do ingeramento de Chico Patuá, um negro cabano, em fera. Ao trazer a história de uma personagem negra, o Caprichoso abriu espaço para falar da contribuição dos negros na Amazônia. A lenda trouxe a rainha do folclore.

Outra vez, esteve na arena a cantora Djuena Tikuna, que cantou um trecho de Vale do Javari. Ela esteva ao lado da importante liderança Beto Marubo, que falou sobre o assassinato de Dom e Bruno antes da apresentação do ritual Mística Marubo.

Em suas performances, o Amo do boi Caprichoso respondeu à provocação do amo vermelho, levando para a arena a filha de Luiz Gonzaga, a quem se atribui a fundação do boi Caprichoso. Levou também membros da família de Luiz Pereira, importante dono do Caprichoso. 

Também fez seus ilustres brincantes pedirem respeito, pois o boi Caprichoso seria feito de pessoas simples e não de pessoas ricas como se costuma lhe atribuir. E, também, apontou que o seu oponente teve posturas racistas no pré-festival.

O boi bumbá Garantido

Garantido abriu a segunda noite com o tema Cidade de Lindolfo. O fio condutor da apresentação seria o sonho do fundador do Garantido em existir uma cidade onde todos seriam felizes.  

Isabelle Nogueira, a cunhã-poranga, surgiu na arena como Conori, a líder das icamiabas. No chão, ela se transmutou em gavião-real. Contudo, sua pernaleira esquerda caiu durante a evolução.

O tema da noite foi defendido com um verso fúnebre sobre a morte de Lindolfo, com a participação de Dani Colares no violino e Dona Maria Monteverde cantando um verso de seu pai.  

O ritual indígena huni kuin, onde há a utilização da ayuasca, foi representado por imagens com o efeito de rastro. Tal efeito é comum do uso da ayuasca e foi muito bem representado. 

Além disso, elementos da conhecida dança dos Huni Kuin foi muito bem utilizada na coreografia executada em frente à alegoria. 

Contudo, o boi bumbá Garantido deixou espaços entre os atos. Além de, aparentemente, ter tido problemas com alegorias que demoraram a desempenhar certas funções.

A levantadora de toadas

Márcia Siqueira cantou a toada “Matawi Kukenan” durante o momento ritual, um feito inédito para uma levantadora. Depois soubemos que o ato não estava previsto e que Davi Assayag, o levantador da noite, passou mal. 

Comumente, as levantadoras em ambos os bumbás são chamadas para performar iaras. Não levantam toadas de galera nem ritual, pois se compreende que suas vozes agudas não seriam adequadas para tal.

Por isso, Márcia possui um belíssimo álbum chamado Ritual.  Nele ela canta toadas nesse estilo que em nada deve aos seus colegas homens. 

Interessante notar que, nesse ano, havia um impasse entre os dois levantadores vermelhos. Cada qual com méritos e poréns. Marcia Siqueira, embora sendo uma levantadora de toadas oficial do Garantido, possuir uma voz irretocável e não ter qualquer problema de execução, jamais foi cogitada para levantar uma noite inteira. Nem pelo público, nem por quem dirigi o espetáculo.

Foto: Alex Pazuello/Secom