Garantido, o boi do coração
Mestre Lindolfo fazia o Garantido com a carcaça da cabeça de boi. Nela encaixava uma madeira com um metro e meio

Mariane Veiga, por Dassuem Nogueira
Publicado em: 19/06/2024 às 20:18 | Atualizado em: 19/06/2024 às 20:22
O boi-bumbá Garantido nasceu sem coração. Era todo branco o boi do mestre Lindolfo Monteverde (1902-1979).
O mestre se preocupava em conduzir os filhos homens para um dia assumirem a liderança do bumbá.
Assim, desde muito jovens, João Batista era preparado para ser amo e versador e Antônio para confeccionar o boi.
Mestre Lindolfo fazia o Garantido com a carcaça da cabeça de boi. Nela encaixava uma madeira com um metro e meio. O corpo era estruturado com cipó grosso. O enchimento se fazia com folhas de samambaia e o revestido com pano branco.
Seu Antônio aprendeu a fazer boi com o pai. Pela década de 1940, sua notável habilidade lhe fez conhecido e ele passou a receber encomendas para confeccionar bois para as brincadeiras de diferentes localidades.
Mas, sempre fazia os bois iguais. Então Antônio quis fazer uma marca para diferenciar um de seus bois e com carvão desenhou um coração em sua testa.
Ao chegar de uma pescaria, mestre Lindolfo foi ver a produção do filho. Quando se deparou com o coração na testa, achou muito bonito.
Disse a Antônio que não fizesse outro igual, pois colocaria o coração na testa somente do seu boi Garantido.

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O Garantido está diferente
Vermelho encarnado
Dé Monteverde, filho de Antônio, conta que não se tinha acesso a tintas industrializadas na baixa do São José daquela época.
E o coração na testa do boi foi preto por muito tempo. Porém, era sabido que a cor do coração é o vermelho.
Por isso, os antigos já usavam figurino nessa cor. Porém, não usavam a palavra vermelho nessa época.
A turma de jovens que levava o Garantido pelas fogueiras em junho era conhecida como “os camisas encarnada”.
As letras das toadas não falam em vermelho, mas em “encarnado”.
Na década de 1980, mestre Jair Mendes, pioneiro na arte de confeccionar alegorias em Parintins, apareceu na baixa com uma novidade: um motor de tinta em spray.
Juntou-se uma pequena multidão no terreiro dos Monteverdes da baixa para o ver funcionando. Cunhantãs e curumins testemunharam o mestre Jair Mendes pintando com um vermelho vivo o coração na testa do boi Garantido.
*A autora é antropóloga.
Fotos: Ilmara Monteverde/cedidas gentilmente ao BNC Amazonas