Boi Caprichoso ritualiza traslado de alegorias
O traslado de alegorias do Boi Caprichoso é um momento aguardado em Parintins, com grande envolvimento da comunidade e espetáculo visual.

Diamantino Junior
Publicado em: 18/06/2024 às 12:07 | Atualizado em: 18/06/2024 às 12:07
Por Dassuem Nogueira*
Desde que passaram a ser atração diferenciada no festival folclórico de Parintins, o traslado das alegorias é um dos momentos mais aguardados pelos moradores da cidade.
As famílias sentavam-se em cadeiras de embalo nas suas calçadas aguardando a passagem de anhangás, cobras grande, iaras, curupiras e toda sorte de encantados por suas ruas.
Anteriormente, os traslados eram feitos próximo do anoitecer para evitar o forte sol. Contudo, havia muitos acidentes com os fios de alta tensão. As próprias equipes de trabalhadores de galpão levavam as alegorias.
Atualmente, eles são feitos durante o dia com auxílio de guardas de trânsito, fechamento das vias e trato especializado com a rede elétrica.
Há ainda uma categoria de trabalhadores especializada em transportar os módulos das alegorias para a área de concentração. No boi Caprichoso, eles são os paikicés, que em língua munduruku significa guerreiro.
O traslado é feito durante o dia sem grande plateia, pois a cidade vive normalmente seu cotidiano de trabalho e estudos antes do festival. Se é que podemos chamar de “normal” imensos jacarés e figuras míticas passeando pelas ruas.
Quem está de passagem, para, assiste e fotografa uma prévia do que vem por aí.
Os moradores passaram a saciar a curiosidade sobre as alegorias nas áreas de concentração e dispersão do bumbódromo na praça dos Bois, inaugurada em 2003.
Quando elas chegam, nas vésperas do festival, o local vira uma grande galeria de arte parintinense a céu aberto que é visitada por moradores e visitantes.
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“O festival dos festivais”
O boi Garantido tem fama de ser desorganizado. Mas, neste ano, como forma de dizer ao seu adversário que está mudado, organizou o traslado com antecipação. O boi da baixa de São José trouxe seus primeiros módulos alegóricos no dia 9 de junho.
A Cidade Garantido, onde são feitas as alegorias vermelhas, fica a 2,4 quilômetros do bumbódromo. Os galpões do Caprichoso estão em um raio de 500 metros. A princípio, não haveria necessidade de o traslado azul ser tão antecipado.
Porém, a rivalidade entre os bois no que tem sido chamado de “o festival dos festivais” fez até do momento do traslado uma demonstração de forças.
O boi Garantido fez um grande alarde da sua programação e logística de traslado. E destacou que os kaçauerés, trabalhadores que transportam suas alegorias, em muitos anos, têm um tratamento diferenciado.
Em contrapartida, o boi Caprichoso, na tarde de ontem, transformou a abertura do seu traslado em uma grande festa nos 350 metros do trecho entre seu galpão na rua Fausto Bulcão e a praça dos Bois.
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O ritual do traslado azul
Às 16h, em frente ao galpão, concentraram-se, na ordem: o carro de som, o boi Caprichoso, todos os seus itens oficiais, cercados por sua torcida organizada Raça Azul, a Marujada de Guerra e os módulos enfileirados com seus paikicés.
Entremeados no comboio estavam membros da diretoria, conselho de artes, artistas e técnicos administrativos de galpão.







O ritual se iniciou com o atendimento à imprensa e aos perfis de redes sociais que têm o universo bovino como temática.
Nesse momento, eles puderam entrevistar e fotografar todo o elenco. Também foi possível observar influenciadores bovinos gravando quadros para suas redes.
Em seguida, fez-se um momento religioso com o padre Marcelo Afrânio, da paróquia de Nossa Senhora de Lourdes, localizada em território azul, no bairro do Palmares.
Rossy Amoedo, o presidente do boi, fez uma fala exaltando os trabalhadores de galpão. Ele estava usando um boné utilizado pelos paikicés, pois possui uma aba que protege o pescoço do sol. Rossy lembrou que se criou nos galpões do Caprichoso.
O pároco fez uma oração pedindo proteção e um trabalho exitoso na arena a todos os envolvidos. Rezou um Pai Nosso e uma Ave Maria acompanhado em coro pelos presentes. Em seguida, abençoou o comboio que, por fim, se iniciou sob fogos de artifício.
No fim do trajeto de 350 metros, os paikicés colocaram o primeiro módulo alegórico na concentração. É como se colocassem a pedra angular da grande obra que apresentarão no festival do território sagrado do bumbódromo.
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A guerreira paikicé
O boi Caprichoso colocou um contingente de 200 paikicés para o transporte de seus primeiros módulos.
Entre eles, destacava-se a guerreira azul Fabiana Costa, a única paikicé.
No final do grande ritual do traslado, na área do bumbódromo, ela foi chamada para representar seus companheiros no agradecimento pelo trabalho de sua categoria.
Sua presença destacada dos demais, além do merecido reconhecimento ao trabalho dos paikicés, demonstra que o boi Caprichoso tem se preocupado em dar destaque a participação das mulheres em sua linha de criação.
Notava-se também que foram colocadas à frente da Marujada de Guerra dois naipes compostos exclusivamente por mulheres.
*A autora é antropóloga.
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