A festa da família Garantido

Ao dar ao mundo o boi Garantido, a família Monteverde recebeu em troca uma legião de torcedores e simpatizantes dentro e fora de sua comunidad

Ferreira Gabriel

Publicado em: 13/06/2024 às 18:20 | Atualizado em: 13/06/2024 às 18:20

Dona Maria Monteverde, única filha viva do mestre Lindolfo, criador do Garantido, falou ontem (a 12/6) aos presentes na ladainha para Santo Antônio que a sua família se ocupa em manter viva a tradição da reza cantada em latim.

Porém, nas palavras de Maria, tais tradições não são mais apenas da família Monteverde. Elas são da família Garantido.

As relações de parentesco, além daquela dada pelos laços de sangue, são construídas por meio da política doméstica de dar e receber no cotidiano.

Ao dar ao mundo o boi Garantido, a família Monteverde recebeu em troca uma legião de torcedores e simpatizantes dentro e fora de sua comunidade.

Mais tarde, ao subir ao palco do curral tradicional da Baixa, Davi Assayag chamou Dona Maria de tia. Embora não tenham laços sanguíneos. E não é o único. Muitos de sua comunidade a tratam como Tia Maria.

Santo Antônio, ora pro nobis

A tradição da reza das ladainhas em latim teve início com Lindolfo Monteverde, que reunia a vizinhança em seu terreiro. Dona Maria Monteverde contou que havia um padre estrangeiro cuja língua não entendiam. Mas ele lhes ensinou a rezar em latim.

O antigo terreiro de Lindolfo se transformou no curral tradicional do Garantido. E, atualmente, a cerimônia da ladainha ocorre no palco. Neste ano, iniciou com um sermão feito por Dona Elizabeth Reis. Ela contou sobre a vida e legado de Santo Antônio.

Em seguida, o grupo de rezadeiras da Baixa, de pé, fez a ladainha em latim, o canto de oferecimento e a oração final, esses em português.

O canto final coube a Dona Maria Monteverde que entoou um clássico parintinense: a canção religiosa Flor do Carmelo, homenagem à Nossa Senhora do Carmo, padroeira de Parintins.

Nesse momento, fez-se um inesperado dueto com Davi Assayag. Na plateia, sem que fosse sua intenção, compôs um trio a intérprete de libras, que traduzia o evento para um grupo de senhoras surdas.

A aparição de Davi Assayag fez o momento de transição para o próximo ato do longo ritual da saída do boi Garantido em 12 de junho.

A noite é uma criança

A Baixa da Xanda é, fisicamente, a vizinhança que se formou no entorno do curralzinho.
Ali moram algumas famílias cujas gerações se criaram brincando no boi Garantido.

Por isso, a brincadeira das crianças é algo levado a sério. Elas são a garantia da continuidade.
Após a reza dos mais velhos, os pequenos da comunidade têm sua vez. Com direito a levantador oficial, indumentária e comando galera só para elas.

Com a transformação da brincadeira em espetáculo, as crianças brincam de item. Apresentaram-se a “batucadinha”, “vaqueiradinha”, um boizinho Garantido do tamanho de seu “tripinha”, cunhatã-poranga e porta-estandarte.

Chamou a atenção a mini sinhazinha da fazenda que veio acompanhada de suas amigas. Sinal de que foi preciso criar mais lugares de destaque para as pequenas. Elas se realizam repetindo os gestos graciosos de sua personagem.

Os adultos entram na brincadeira das cunhatãs e curumins da Baixa compondo a banda e a galera, vibrando e aplaudindo a cada evolução. O momento nos lembra que o Festival de Parintins, afinal, é sobre brincar de boi.

Atrás do boi só não vai quem já morreu

O boi Garantido sai do curral tradicional da Baixa da Xanda em direção à Catedral de Parintins, no centro.
O boi é quem conduz o cortejo. Ele vai à frente da batucada. Em seguida, segue o Comando Garantido, a torcida organizada. E por fim, o trio elétrico com apresentador e levantador oficial que cantaram toadas de todos os tempos.

A vaqueirada segue sem os cavalinhos fazendo um cordão de braços em torno do boi para evitar o assédio a essa celebridade lúdica.

Os vaqueiros organizam a entrada dos torcedores dentro do cordão para tirar fotos ao lado do boi. Se não fazem assim, o boi não dança e o cortejo não sai do lugar.
A legião de torcedores se distribui ao lado e a frente do cortejo.

No caminho, boi Garantido dança nas fogueiras acesas nas casas. Dá atenção especial as crianças e idosos.

A passeata do boi é em homenagem ao Santo Antônio no dia 13 de junho. Mas sai na véspera para comemorar o dia dos Namorados, dia 12.

Romântico, o boi que tem o coração na testa, distribui rosas vermelhas às mulheres de todas as idades. Cedo da noite o seu focinho branco se enche de marcas de batom daquelas que o retribuem com um beijinho.

*A autora é antropóloga.

Foto: Divulgação