Peixes saborosos e migradores da Amazônia

Entre os peixes saborosos da Amazônia, o autor apresenta o maior migrador de água doce (foto). | Leia e saboreie o artigo de Alexandre Peressin

Ednilson Maciel, Por Alexandre Peressin*

Publicado em: 04/06/2024 às 17:19 | Atualizado em: 04/06/2024 às 17:19

Toda a Amazônia tem duas riquezas que são inestimáveis para seus moradores e inesquecíveis para os visitantes: a culinária e os peixes.

Neste sentido, toda vez que você visitar uma cidade da Amazônia, para voltar de lá com uma história completa da sua viagem, você precisa ter comido algum peixe!

Por lá tem tambaqui, dourado, filhote, pirarucu e tucunaré, apenas para citar aqueles mais comuns servidos nos grandes restaurantes.

Com efeito, existem milhares de espécies de peixes na Amazônia.

O consumo é maravilhoso de qualquer jeito, não importa muito se é em posta, costela, no molho, frito, a Rondon (prato típico de Porto Velho-RO composto por pirarucu, jambu, macaxeira, batata-doce e tucupi), na grelha, com açaí, com banana, com farofa, com camarão, enfim, cada morador das cidades amazônicas tem uma receita diferente.

A migração

Entretanto, puxando a brasa para minha sardinha (o trocadilho não foi proposital, a princípio, pois sou biólogo e pesquiso peixes), eu quero chamar a atenção para outra coisa. Existe uma característica em comum em boa parte destes peixes amazônicos apreciados na culinária (com exceção do tucunaré e do pirarucu): eles migram grandes distâncias para se reproduzir. Ao se moverem, estes peixes transportam nutrientes e sementes por grandes distâncias, além, claro, de serem um recurso alimentar e econômico indispensável para inúmeras famílias.

No entanto, como escreve Joachim Carolsfeld e seus colaboradores, eles são um segredo muito bem guardado. Isto porque, realmente, embora muito conhecimento tenha sido gerado nas últimas décadas, ainda conhecemos sobre os peixes muito menos do que gostaríamos ou deveríamos conhecer. E, como tudo na Amazônia adquire proporções muito diferentes, e quase sempre colossais, com os peixes migradores não é diferente.

Neste âmbito, o maior migrador de água doce do mundo está na Amazônia e, basicamente, usa toda a bacia como sua casa. Estou falando do dourado (ou dourada) Brachyplatystoma rousseauxii, um dos peixes preferidos no prato dos moradores e visitantes amazônicos. Com tamanho que pode chegar a quase dois metros de comprimento, sua área de ocorrência se estende do estuário do Amazonas no estado do Pará até as cabeceiras dos rios Madeira e Solimões, na Bolívia e no Peru.

Ao longo de sua vida, nenhum peixe tem um lar tão grande como o dourado. Com efeito, ter um lar tão grande tem lá seus problemas. Os peixes migradores precisam viajar longas distâncias para se reproduzir e, muitas vezes, não conseguem completar seu ciclo quando a migração é barrada ou, obviamente, quando são pescados.

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As barragens

Certamente, o bloqueio de suas rotas migratórias não seria algo inofensivo. E este é um dos preços ecológicos que se paga pela geração da inestimável energia hidrelétrica que é fundamental para a manutenção de nossa vida moderna.

Os rios, uma vez barrados para geração de energia, bloqueiam o caminho dos peixes entre suas áreas de alimentação e suas áreas de reprodução, impedindo, dessa forma, a continuidade da reprodução destas espécies. Se somado à pesca, mesmo com as dimensões grandiosas dos rios da Amazônia, este bloqueio pode sim extrapolar níveis suportados pelas espécies.

Neste sentido, é possível entendermos o porquê de tantas espécies estarem desaparecendo ou ao menos terem diminuído muito em abundância e tamanho. Ademais, como muitas destas espécies podem viver várias décadas, é possível continuar capturando estes peixes por um bom tempo, mesmo depois de suas áreas de reprodução terem sido isoladas por barramentos.

Todavia, é importante deixar registrado que sua reprodução está comprometida, porque, além do bloqueio, as represas formadas pelas barragens alagam áreas importantes e peixes migradores gostam de corredeiras e de águas rápidas. É assim que eles se orientam, primeiro rio acima e, depois, rio baixo, nadando contra e com a corrente de água.

Por isso, quando a água está parada eles ficam perdidos e não encontram seus lares originais, o que também impede a continuidade do ciclo. Isto se eles não forem pescados no meio do caminho, porque a migração é um momento em que se tornam muito susceptíveis às capturas.

Portanto, quando visitar a Amazônia, não se esqueça de duas coisas: de apreciar seus peixes saborosos e de lembrar que, para continuar apreciando estes peixes, eles precisam ser conservados.

*O autor é biólogo, pesquisador da Fapesp/Ufscar – Lagoa do Sino.

Foto: Alexandre Peressin