Reflexões sobre o racismo ambiental no Brasil
Conforme os autores deste artigo, o racismo ambiental, dentre outras questões, inclui também a negligência e o descaso com a implementação de infraestrutura básica de saneamento

Ednilson Maciel
Publicado em: 02/05/2024 às 15:46 | Atualizado em: 02/05/2024 às 15:46
No Brasil, a questão do racismo ambiental perpassa questões que estão diretamente ligadas às injustiças sociais, raciais, bem como às políticas e práticas ambientais que afetam de forma desproporcional os territórios de comunidades historicamente marginalizadas, principalmente aquelas formadas por indígenas e quilombolas.
O racismo ambiental, dentre outras questões, inclui também a negligência e o descaso com a implementação de infraestrutura básica de saneamento nestes territórios. A falta de acesso a estes serviços em comunidades rurais indígenas e quilombolas é brutal. Esta forma de discriminação reflete as desigualdades estruturais do nosso país. São heranças perversas do nosso passado colonial escravocrata.
As leis
A primeira lei brasileira que disserta sobre a proteção dos povos indígenas data de 1973, sendo que a lei referente aos negros foi criada em 1951. Ainda assim, o ordenamento legal de maior consolidação dos direitos se deu com o advento da Constituição Federal de 1988.
Ademais, a abolição da escravidão no Brasil em 1888, resultado de lutas e resistências, apenas fez emergir relações de trabalho assentadas na exploração precarizada. A estrutura escravagista do Estado se despojou somente da lógica econômica da posse, associada à compra e à venda de escravos, mas não abriu mão da promoção da lógica colonizadora de inferiorização, precarização e subalternização.
Já para os povos indígenas, o epistemicídio, o genocídio e o etnocídio foram as principais heranças deixadas pela colonização. Com o passar do tempo, a “política de embranquecimento” da população brasileira abrangeu uma diversidade de áreas, impondo ainda mais a marginalização de negros e índios.
Portanto, para compreender o racismo ambiental brasileiro é de extrema importância que compreendamos as especificidades e as singularidades das práticas racistas de nosso país. Aliás, práticas institucionalizadas. Atualmente, os estudos acerca do racismo podem ser divididos em estratos como racismo institucional, cultural, ambiental, entre outros.
A falta de acesso
A falta de acesso a serviços adequados de água, esgoto, tratamento de resíduos sólidos e drenagem das águas de chuva não apenas compromete a qualidade de vida das populações indígenas e quilombolas, mas também reforça os ciclos de pobreza e exclusão social.
Estas comunidades, frequentemente, se encontram em áreas periféricas ou rurais, onde a infraestrutura de saneamento é precária ou até mesmo inexistente. A ausência destes serviços básicos é um exemplo claro de como o racismo se manifesta em políticas públicas e na alocação de recursos, perpetuando a segregação ambiental.
É importante mencionar que o saneamento básico é parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), especificamente o Objetivo 6, que visa garantir acesso universal e sustentável à água potável e ao saneamento para todos, destacando, assim, a importância de uma gestão eficaz dos recursos hídricos e do saneamento como essenciais para a saúde, o bem-estar e o desenvolvimento econômico.
Neste sentido, constatamos que o saneamento básico é um direito humano essencial e fundamental para a saúde pública. Sem acesso a este conjunto de medidas e infraestruturas, as comunidades são colocadas em risco elevado de contração de uma série de doenças, por exemplo, a cólera, a disenteria, a febre tifoide e a hepatite A.
Ademais, a falta de saneamento adequado contribui para a deterioração das condições ambientais e de vida que afetam não apenas a saúde física, mas também a saúde mental e o bem-estar das populações indígenas e quilombolas.
Conclusão
A persistência das desigualdades no acesso ao saneamento básico em comunidades historicamente marginalizadas, como as quilombolas e indígenas, revela não apenas um problema de infraestrutura, mas também de negação aos direitos humanos fundamentais.
Neste sentido, o combate ao racismo ambiental necessita de uma abordagem abrangente e interdisciplinar, que reconheça as origens históricas do problema e promova políticas públicas inclusivas e equitativas para a resolução definitiva deste flagelo.
Frente à análise da interseção entre racismo, exclusão social e acesso aos serviços essenciais de saneamento básico, torna-se indiscutível a necessidade urgente de reconhecer e combater o racismo ambiental como uma das faces mais prejudiciais da estrutura social brasileira.
A partir desta reflexão, é vital a compreensão de que o direito ao saneamento básico não pode ser separado do direito à igualdade racial e social.
Os autores são: Débora Cristina Souza dos Santos (Bióloga); André Pereira da Silva (Biólogo) e Jorge Luis Rodrigues Pantoja Filho (Engenheiro Ambiental)
Foto: Cepae/divulgação