ZFM: medalhões travam debate público sobre reforma tributária

A disputa de narrativas é entre o economista Osíris Silva e o consultor tributário Thomaz Nogueira

Antônio Paulo, do BNC Amazonas em Brasília

Publicado em: 30/04/2024 às 18:23 | Atualizado em: 30/04/2024 às 23:40

Um artigo do renomado economista do Amazonas e ex-secretário de vários governos estaduais Osíris Silva, sobre a regulamentação da reforma tributária e os impactos na Zona Franca de Manaus, deu o que falar nas redes sociais.

Publicado nesta segunda-feira (29) na sua página eletrônica do Linkedin Brasil e reproduzido em diversas mídias locais, o artigo de Silva traz o título: “ZFM, engessada, sofre fortes perdas de competitividade com a reforma tributária”.

Segundo ele, a partir do projeto de lei complementar, entregue pelo ministro Fernando Haddad ao Congresso na semana passada, a matriz econômica do estado do Amazonas, instituída pelo decreto-lei 288/1967, passa a restringir-se, no horizonte 2073, às cadeias produtivas incentivadas até 2023.

Logo, qualquer outro empreendimento aprovado fora desse prazo estará sujeito à mesma tributação do resto do Brasil.

“Entendo, todavia, que talvez ainda esteja na hora de o Governo do Estado, aliado a forças parlamentares e empresariais, conseguir, no Congresso, ajustes voltados à construção de novo modelo econômico estruturado na integração polo industrial de Manaus/bioeconomia”.

Equívoco

Especialista em ZFM e um dos técnicos mais ouvidos pelas autoridades políticas e governamentais do Amazonas, sobre a proposta do governo federal, o também renomado consultor tributário Thomaz Nogueira, ex-Sefaz e ex-superintendente da ZFM (Suframa), divergiu publicamente de Silva.

Para Nogueira, a fala sobre engessamento da ZFM está equivocada, já que o artigo 450, no seu § 2º, que trata do IPI, apenas precisa ser melhorado e isso será feito pela bancada do Amazonas.

Alíquota do IPI

Um dos ajustes de que fala Nogueira é justamente sobre a alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

Embora deva ser extinto na reforma tributária, dando lugar aos novos tributos (IBS, CBS, IS, IVA Dual), o IPI será garantido aos produtos da ZFM até 2073, quando acaba a última prorrogação do modelo industrial do Amazonas.

De acordo com Silva, essa é uma das limitações da regulamentação. Em sua avaliação, o projeto do governo vai mais além e engessa a ZFM.

Isso ocorre ao estabelecer no Título II – Da Redução a Zero da Alíquota do IPI, em 2027, ao determinar, no art. 450, que a partir de 1º de janeiro desse ano, ficam reduzidas a zero as alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados que não tenham sido efetivamente industrializados na ZFM no ano de 2023, nos termos do art. 126, III, “a” do ADCT.

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Engessamento

O § 1º do dispositivo prevê que o poder Executivo da União divulgará:

I – a lista (atente-se ao detalhe) dos produtos efetivamente industrializados na Zona Franca de Manaus, em 2023, discriminando entre:

a) os produtos cuja alíquota do IPI não será reduzida a zero;

b) os produtos cuja alíquota será reduzida a zero em função do disposto no art. 436;

Ainda no inciso II – a lista dos produtos para os quais a alíquota do IPI será reduzida a zero nos termos do caput deste artigo.

De acordo com parágrafo 2º, na hipótese de bens – sem similar nacional – cuja produção possa vir a ser instalada na ZFM, fica o chefe do poder Executivo da União autorizado a fixar alíquota do IPI em percentual superior a zero, nos termos do inciso II do art. 437 do projeto de lei.

“Grave e limitante engessamento ao qual o polo industrial de Manaus, limitado às cadeias produtivas incentivadas até 2023, sem possibilidade de expandir-se, queda-se irreversivelmente indefesa”, disse Silva.

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Erro factual

No entanto, na análise de Nogueira, o texto do projeto de lei complementar já prevê a possibilidade de definir IPI de 30%.

É, portanto, erro factual, não divergência de opinião, conforme ele.

Nas redes sociais, o ex-titular da Suframa chama o artigo de Silva de “alarmista” ao dizer que “a matriz econômica instituída pelo decreto-lei 288 passa a restringir-se, no horizonte 2073”.

“Nariz e opinião cada um tem o seu. Mas, aí nem se trata de opinião, é erro factual. Há espaço para melhorar o referencial temporal e o tratamento, mas está, sim, assegurado tratamento diferenciado aos novos produtos. Parece que a turma quer ser contra e ‘causar’. Mas, a bancada do Amazonas está atenta”, disse Nogueira no X (antigo Twitter).

Exclusão de benefícios

Por fim, o artigo de Silva “ZFM, engessada, sofre fortes perdas de competitividade com a reforma tributária”, trata ainda dos fundos de desenvolvimento regional e das exclusões de alguns benefícios fiscais como, por exemplo, petróleo, lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo.

Além de produtos de perfumaria ou de toucador, preparados e preparações cosméticas, salvo se produzidos com utilização de matérias-primas da fauna e da flora regionais.

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Pires na mão

Para o renomado economista amazonense, a reforma tributária consolida a perpetuação da dependência da região a Brasília, a oficialização do “pires na mão” em troca de uma política autóctone de desenvolvimento alicerçada nas potencialidades de nossa bioeconomia.

“Ignorada, portanto, a hipótese de expansão do modelo ZFM na direção da incorporação de cadeias produtivas derivadas da exploração dos recursos da biodiversidade (grãos, hortifrutis, carnes e peixes), recursos minerais, ecoturismo, polo óleo-gás-energia, manejo florestal sustentável e ampliação das relações comerciais com os países vizinhos da pan-Amazônia”.

Competitividade mundial

Na visão de Silva, esses setores induziriam o ajuste do modelo de substituição de importações à economia de mercado global padrão 4.0, incluída a introdução de plataforma de exportação ao nível da competitividade mundial.

“Essa é, efetivamente, a única forma de integração do polo industrial de Manaus e assegurar a definitiva perenização da ZFM, independentemente de incentivos fiscais, em regime de mercado aberto”.

Fotomontagem BNC Amazonas