A substituição da política pela teologia

Em um país de pouquíssima tradição democrática, que viveu mais de 350 anos de escravidão, esta fusão ainda trará muitos problemas para seus habitantes

A substituição da política pela teologia Arte: Gilmal

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*

Publicado em: 30/03/2024 às 02:00 | Atualizado em: 30/03/2024 às 06:13

O Brasil vive um momento perigoso. Cada vez mais, a teologia toma o espaço da política. Isto pode ser verificado, por exemplo, no comportamento dos eleitores de Jair Bolsonaro. Estes não se comportam propriamente como eleitores, mas, sim, como devotos de um santo. 

Para os bolsonaristas, o Jair não é um simples político, mas um “Messias”. O que os orienta e os move, portanto, não é propriamente a política, mas a teologia. Neste sentido, penso eu, a promoção de uma política de aproximação e conciliação com bolsonaristas terá pouca chance de êxito. 

Uma fusão diabólica 

A questão central é que, para o nosso azar, ocorreu no Brasil a fusão do nosso antigo e persistente ódio de classe com a teologia do domínio. Uma fusão diabólica. Em um país de pouquíssima tradição democrática, que viveu mais de 350 anos de escravidão, esta fusão ainda trará muitos problemas para seus habitantes.

Trará muito mais problemas, porque com o recrudescimento da teologia no cotidiano o comportamento e as ações das pessoas deixam de ser guiados pelos desdobramentos da ação política ou pelo êxito do governo na condução da economia, por exemplo. As ações passam, agora, a ser tomadas por aquilo que a religião determina. 

É neste contexto que temos que analisar como Bolsonaro se tornou um mito, um predestinado, uma espécie de “Messias” para uma grande parcela da população brasileira. Ele, por si só, jamais alcançaria este status. 

Todos nós sabemos que ele sempre foi um incompetente. Ocorre que ele foi alçado a esta condição por pastores e demais líderes religiosos de grande vulto no Brasil, que são adeptos e propagadores da teologia do domínio. 

Bolsonaro, portanto, passou a ser uma profecia a se cumprir no país com a ajuda destes líderes. A teologia do domínio era o amálgama que faltava para a consolidação de um projeto de tomada do poder extremamente sofisticado. 

Por enquanto…

O único problema, por enquanto, foi que a pessoa escolhida para essa missão, Bolsonaro no caso, foi incompetente demais. Ele não logrou êxito em suas ações nefastas. Com efeito, o projeto de substituição da política pela teologia, da democracia pela teocracia, permanece mais vivo do que nunca.

Portanto, ao menos para mim, não há como ter conciliação com esta parcela da população, que está teologicamente influenciada pelas ideias de dominação. Eles não querem. Não aceitarão. 

A teologia do domínio não preconiza a convivência de contrários, da pluralidade e da diversidade. Pelo contrário, a questão norteadora é o binarismo “eles” e “nós”. Nesse caso, o “eles” sinônimo de infiéis, de inimigos que precisam ser convertidos ou eliminados. 

Conclusão

Concluo, afirmando que, democraticamente e de forma republicana, é preciso frear o avanço da teologia do domínio na política. Se é que isto ainda será possível. Para tanto, é preciso que bons nomes, de todos os segmentos da sociedade nacional, entrem para a política e ajudem a preservar o Estado laico, democrático e republicano. 

A história mostra que a substituição da política pela teologia nunca trouxe benefícios para a humanidade. Pelo contrário, condenou o Ocidente a mil anos de escuridão (Idade das Trevas, do século V ao XV) e atrasou o avanço da ciência de igual forma por mil anos. 

Precisamos reagir! 

*Sociólogo