A juçara no Vale do Ribeira
As comunidades tradicionais pertencentes ao Vale possuem estrita ligação sociocultural com a palmeira juçara (Euterpe edulis)

Mariane Veiga, por Vinícius Rainer Boniolo
Publicado em: 29/03/2024 às 19:22 | Atualizado em: 29/03/2024 às 19:39
A região do Vale do Ribeira possui uma rica e complexa biodiversidade. É uma das áreas mais preservadas de Mata Atlântica do estado de São Paulo. As comunidades tradicionais pertencentes ao Vale possuem estrita ligação sociocultural com a palmeira juçara (Euterpe edulis), uma espécie-chave deste bioma.
A juçara, conhecida também como palmito-juçara, é o elemento central na formação da identidade cultural do Vale do Ribeira. Ela está profundamente enraizada nas tradições e no modo de vida das comunidades. A palmeira é celebrada em festividades, na culinária e em composições musicais, atravessando diversas gerações ao longo do tempo.
No entanto, a palmeira enfrenta desafios significativos devido à exploração predatória e à degradação de seu habitat. Historicamente, o corte da juçara ocorreu não apenas por questões culturais, mas também por ser uma atividade essencial para a sobrevivência das comunidades locais, que dependiam da venda do palmito para a obtenção de alguma renda.
Outrora, durante uma viagem rumo ao litoral era comum encontrarmos ao longo do caminho pessoas vendendo potes cheios de palmito-juçara. Porém, com a espécie sendo cada vez mais ameaçada de extinção, esta prática se tornou menos usual.
Esta mudança de comportamento se deve, em grande parte, à regulamentação estabelecida pela legislação ambiental, em particular, determinada pela Lei n.º 9.605/1998, que considera crime ambiental o corte, a exploração, o transporte, a venda e a posse ilegal de espécimes da fauna e da flora nativas sem a devida autorização dos órgãos competentes.
De acordo com a reportagem de 13 de julho de 2021 do site Brasil de Fato, “o risco chegou quando o palmito desta árvore passou a ser extraído para comercialização em massa. O corte das palmeiras, em larga escala e sem respeito ao ciclo da planta, trouxe grave ameaça para a espécie”.
Ainda de acordo com a reportagem, as comunidades do Vale do Ribeira não exerceram práticas predatórias de exploração para a comercialização em massa do palmito-juçara. Tais práticas, geralmente, são cometidas e realizadas por indivíduos ou grupos que não são oriundos da região. Desta forma, é importante destacar o compromisso das comunidades locais com a preservação da juçara e a promoção da conservação ambiental.
Certamente, a proteção dada pela legislação foi fundamental para a não extinção da juçara, como dito, uma espécie fundamental para todo o bioma da Mata Atlântica, que está na base da cadeia alimentar de dezenas de animais. Todavia, o que fazer para sobreviver ante a proibição da exploração do palmito?
Como bem diz o ditado popular, “não há mal que dure para sempre, não há tristeza que não finde”. A partir de novos arranjos produtivos, o fruto da juçara, que sempre foi colocado em segundo plano no Vale do Ribeira, diferentemente do que ocorre com o açaí no Amazonas e no Pará onde a polpa é amplamente consumida, com a juçara isto não se aplicava.
Neste sentido, a produção de polpa de juçara surge como uma alternativa viável de futuros negócios, pois se trata de um produto que possui ampla demanda, uma vez que seu mercado está em expansão. A cadeia produtiva da polpa de juçara no Vale do Ribeira tem potencial para geração de emprego e renda para as comunidades locais.
Portanto, um novo uso da palmeira juçara surge no horizonte das comunidades tradicionais do Vale do Ribeira: a polpa. Trata-se de uma atividade que pode reunir os três critérios fundamentais da sustentabilidade, pois possui a capacidade de ser ambientalmente equilibrada, socialmente justa e economicamente viável.
O autor é engenheiro ambiental.
Foto: divulgação