O recuo equivocado do governo
Sem dúvida, trata-se de um equívoco grave por parte do governo. A Jovem Pan, claramente, conduziu uma campanha a favor de Jair Bolsonaro.

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*
Publicado em: 23/03/2024 às 04:43 | Atualizado em: 23/03/2024 às 04:43
O governo Lula, por meio da Secretaria de Comunicação e da Advocacia Geral da União (AGU), recuou na ação que poderia cassar a concessão da rádio Jovem Pan, acusada pelo Ministério Público Federal de fazer cobertura jornalística que pregava a ruptura institucional.
Sem dúvida, trata-se de um equívoco grave por parte do governo. A rádio, claramente, conduziu uma campanha a favor de Jair Bolsonaro. A emissora foi contra sua obrigação jornalística de imparcialidade, que constitui um dos pilares essenciais para se obter e manter a concessão.
É importante lembrar, sempre, que ninguém é dono de emissora de rádio ou de TV. A Constituição brasileira afirma que é responsabilidade da União explorar diretamente ou através de concessão os serviços de rádio e televisão. Portanto, o que existe é uma concessão realizada pelo governo.
Imparcialidade
Esta concessão possui regras que devem ser seguidas pelo concessionário, por exemplo, a imparcialidade jornalística. No contexto da cobertura política, uma emissora de rádio ou de TV não pode demonstrar preferência por candidatos ou partidos políticos. Ela não pode fazer propaganda a favor de nenhum candidato em particular. Neste caso, é necessário abrir espaço em sua programação de maneira igualitária para todos os envolvidos.
No entanto, não foi isto o que aconteceu na programação da Jovem Pan. De forma alguma. As evidências em vídeo estão disponíveis para serem examinadas. A rádio, de maneira clara, apoiou Bolsonaro, sua ideologia, seus planos e os candidatos aliados a ele.
Além disso, muitos discursos de jornalistas e editoriais continham conteúdo golpista e desinformativo. Em toda sua grade de programação havia ataques à democracia, ao sistema eleitoral, ao Supremo Tribunal Federal, ao então candidato Lula e ao PT. A rádio agiu como uma ferramenta de campanha para Jair Bolsonaro.
Nesse contexto, a ação do Ministério Público Federal que buscava a cassação da concessão da rádio foi completamente justificada. Na verdade, tratou-se de uma medida democrática e republicana. Uma medida que está em consonância com o papel do MPF na proteção dos interesses da sociedade.
O recuo
No entanto, como mencionado, o governo recuou da ação de cassação da concessão. Para mim, esta decisão representa um erro extremamente grave. Afinal, o Estado é responsável por garantir o cumprimento das leis. Neste sentido, o governo, como líder atual do Estado brasileiro, não pode dar um exemplo negativo e buscar conciliação com aqueles que cometeram infrações graves.
A rádio Jovem Pan, deliberadamente, optou por apoiar apenas um lado no processo eleitoral de 2022. E, pior ainda, através da postura e das declarações de alguns de seus jornalistas contribuiu para fomentar o golpe de Estado fracassado em 8 de janeiro de 2023.
Portanto, ao recuar de uma ação legítima e sugerir uma espécie de reconciliação, o governo está levantando a bandeira da impunidade. Isto é bastante preocupante, especialmente no Brasil, um país onde muitas vezes o crime parece compensar.
Esta situação precisa mudar. No entanto, não será através de conciliação, perdão ou de “deixar pra lá” que as coisas irão mudar. Uma república democrática se fortalece apenas através do estrito cumprimento da lei. Ela deve ser aplicada de maneira igual para todos, independentemente das circunstâncias.
*Sociólogo
Arte: Gilmal