O Brasil não conhece a Amazônia
“Eu olho o futuro e pergunto pra insônia: será que o Brasil nunca viu a Amazônia?”

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*
Publicado em: 10/02/2024 às 00:37 | Atualizado em: 10/02/2024 às 00:37
Celso Viáfora, em sua emocionante obra musical “Olhando Belém”, interpretada por Nilson Chaves, traz uma questão provocadora: “eu olho o futuro e pergunto pra insônia: será que o Brasil nunca viu a Amazônia?”, argumenta.
De fato, é uma questão pertinente. Infelizmente, parte da sociedade brasileira desconhece a Amazônia. E, lamentavelmente, o que se conhece da região, muitas vezes, é atravessado por preconceitos.
Conforme observado pelo sociólogo Antônio Carlos Witkoski, a Amazônia é uma formação socioeconômica moldada desde sua origem pela dinâmica do capitalismo. Ela nasce de costas para o Brasil, mas de frente para a Europa e para a exploração capitalista que esta dinâmica sempre propiciou.
Ainda segundo o sociólogo, “no curso do processo civilizatório ocidental, desde as grandes navegações – uma das primeiras manifestações de intensa globalização das relações econômicas, sociais, políticas e culturais no novo mundo –, a Amazônia se destaca mais pela lembrança/presença do que pelo esquecimento/isolamento”.
A dinâmica de exploração predatória dos recursos naturais da Amazônia passou por diversas fases. No século XX, a Ditadura Militar (1964-1985), ao tomar posse definitiva deste território com o lema “integrar para não entregar”, manteve a exploração capitalista predatória. Mesmo nos governos progressistas e democráticos, a região foi submetida à lógica do neodesenvolvimentismo.
A ignorância é conveniente
Portanto, o desinteresse, o preconceito e a negligência do “Brasil litorâneo” e das regiões metropolitanas mais ricas em relação à Amazônia são prejudiciais para o nosso país, mas benéficos para a exploração predatória promovida pelo capital nacional e internacional.
A ignorância é a causa de nossa tragédia em relação a este magnífico território. Todavia, é uma dádiva para aqueles que enxergam a Amazônia apenas como um meio para seus fins privados, visando somente ao lucro, em detrimento de toda a vida presente neste bioma.
Talvez seja por isto que o compositor se inquiete. Ele questiona: “eu olho o futuro e pergunto pra insônia: será que o Brasil nunca viu a Amazônia?” E conclui: “e vou dormir com isto: será que é tão difícil?”
Os rios de nossa aldeia
Eu posso acreditar que ainda dá pra gente viver numa boa
A conclusão do compositor coincide com a minha. Ele observa: “olhando Belém, enquanto uma canoa desce um rio e o curumim assiste da canoa um Boeing riscando o vazio, eu posso acreditar que ainda dá pra gente viver numa boa; os rios da minha aldeia são maiores do que os de Fernando Pessoa”.
Certamente, é possível viver bem, viver numa boa. Os nossos rios são os mais majestosos do mundo. E eles são muitos, uma miríade. São eles os principais responsáveis pela renovação da vida na Amazônia a cada ciclo. Vida no sentido amplo da palavra: vida da ictiofauna, vida botânica, vida vinda da agricultura, vida vinda da fé de cada homem, de cada mulher.
Uma nova vida é possível. Basta que tenhamos a capacidade e os investimentos necessários para o desenvolvimento de projetos endógenos, que levem em consideração as singularidades e especificidades biossocioculturais deste mosaico de “terras, florestas e águas”, para citar novamente o sociólogo Antônio Carlos Witkoski.
Conclusão
O Brasil pode não conhecer a Amazônia, mas nós que a conhecemos bem seremos os defensores dela. Nós, amazônidas, que vivemos nesta região, temos a missão de protegê-la de todas as formas possíveis.
Nós que navegamos em seus rios, que exploramos suas florestas e nos banhamos em suas cachoeiras e igarapés. Nós que cultivamos suas várzeas, que pescamos seus peixes, que apreciamos seus sabores, que celebramos as suas festas folclóricas e suas cores, seremos os fervorosos defensores de sua preservação e da busca incansável pelo seu desenvolvimento sustentável.
*Sociólogo
Arte: BNC/Gilmal