Marco temporal faz parlamento europeu questionar acordo UE-Mercosul
Esquerda europeia entende que acordo climático e ambiental agrava a violência contra indígenas no Brasil

Antônio Paulo, do BNC Amazonas em Brasília
Publicado em: 25/01/2024 às 18:53 | Atualizado em: 25/01/2024 às 19:06
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) informou, nesta quinta-feira (25), que o parlamento europeu fez interpelação a uma comissão da União Europeia com o seguinte questionamento: a incompatibilidade entre a lei brasileira, do marco temporal (14.701/2023), sobre os territórios indígenas, e as cláusulas de salvaguardas climáticas e ambientais previstas no acordo União Europeia-Mercosul.
A ala progressista do parlamento europeu acredita que o acordo vai agravar ainda mais a situação dos povos indígenas no Brasil. Isso porque a pressão dos grandes interesses econômicos sobre os territórios – ainda não demarcados, em processo de demarcação e até mesmo os já demarcados -, tem sido um dos motivadores da violência contra as comunidades tradicionais.
A Lei 14.701, aprovada em dezembro de 2023 pelo Congresso Nacional, instala o marco temporal nas terras indígenas até outubro de 1988. A nova lei vai ao encontro da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou inconstitucional.
“Contrária aos direitos dos povos indígenas, a lei alimenta ações de violência contra os povos em seus territórios, como temos visto recentemente nos estados de Mato Grosso do Sul, de Mato Grosso, de Rondônia ou no Sul e Extremo Sul da Bahia”, destaca Luís Ventura, secretário do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Para o Cimi, a lei do marco temporal compromete o Brasil no âmbito do direito internacional, inclusive nas relações comerciais. Daí, a entidade citar o acordo União Europeia-Mercosul.
Na avaliação do secretário Luís Ventura, esse “é um acordo prejudicial para o Brasil, pois mantém um modelo produtivo em que o Brasil continuará com o papel de exportador de matérias-primas, intensificando a exploração nos territórios e ocasionando maior violência contra os povos indígenas”.
Leia mais
Marco temporal: PT quer que STF derrube lei que saiu do Congresso
Preocupações
Protocolada pelo deputado Miguel Urban Crespo (Esquerda Unitária Europeia GUE/NGL), a interpelação reconhece mudanças importantes no novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, mas destaca que ainda existem elementos de preocupação relacionados à garantia dos territórios e à proteção da vida dos povos indígenas no país.
“Ataques violentos contra comunidades em vários estados do país deixaram vítimas fatais”, argumenta o documento do parlamento europeu.
A interpelação do parlamento europeu destaca pontos negativos como a homologação de apenas oito terras indígenas, em 2023, e a aprovação, pelo Congresso Nacional, da lei do marco temporal como política de demarcação das terras indígenas. Lembra ainda que o SFT assegurou o direito constitucional originário dos povos indígenas.
Leia mais
Violência
De outro modo, também entende que a adoção do acordo UE-Mercosul agrava o quadro de violência persistente no Brasil, impondo uma pressão ainda maior sobre os territórios indígenas, em uma previsão de exportações ainda maiores de matérias-primas para a Europa.
“A adoção de algumas cláusulas de proteção climática e ambiental, com praticamente nenhuma menção aos direitos dos povos originários, são insuficientes para fazer frente a esse padrão de brutalidade contra os povos originários no Brasil”, completa a interpelação apresentada pelo Parlamento Europeu nesta quinta-feira (25).
Avaliação
Na avaliação do Cimi, o acordo União Europeia-Mercosul tem salvaguardas mínimas, insuficientes para garantir os direitos dos povos indígenas e que toda a Lei nº 14.701 é contraditória com essas salvaguardas, que vêm sendo discutidas no âmbito do acordo internacional. Por esse motivo, a lei tem sido questionada por instituições europeias e por parlamentares europeus.
“Se a Lei nº 14.701, o marco temporal, é incompatível com o que vem sendo discutido no âmbito do Acordo União Europeia-Mercosul, então o próprio acordo também está comprometido”, sustenta o secretário do Cimi.
Governo Bolsonaro
Para o assessor em incidência internacional do Cimi, Paulo Lugon, a interpelação do parlamento europeu é uma maneira de exigir da Comissão Europeia consistência e coerência política nas suas relações internacionais.
Isso porque “as salvaguardas impostas pela União Europeia no fim do governo Bolsonaro são insuficientes, não atacam a raiz do problema, e o marco temporal vem agravar ainda mais essa situação pela incerteza e a falta de segurança dos territórios dos povos originários”, diz Lugon.
Com informações do Cimi.
Foto: Hellen Loures/Cimi