A covardia dos intelectuais voyeurs

Em seu artigo, o autor destaca que no geral, os intelectuais, principalmente aqueles abrigados nos castelos das universidades, têm muito medo de se expor.

Ednilson Maciel, por Aldenor Ferreira*

Publicado em: 20/01/2024 às 01:30 | Atualizado em: 20/01/2024 às 08:48

Os(as) intelectuais voyeurs são aqueles(as) que, sob o manto da polidez, da etiqueta e de falsos pudicismos, não se manifestam politicamente sobre nenhum tema nos ambientes em que transitam. Mesmo com a possibilidade de emitir algum parecer, eles(as) optam pelo silêncio, pela neutralidade. 

Certamente, em todos os segmentos da vida social há o medo da exposição. Na universidade, na empresa, na família, nos grupos e nas redes sociais, enfim, onde tiver agrupamentos humanos haverá este medo. Ademais, é preciso respeitar as hierarquias, os pactos, os costumes, os códigos sociais e as regras não escritas de convivência social. 

Porém, penso eu, o recato e a polidez exagerada ou, ainda, uma posição de suposta neutralidade diante de temas relevantes para a sociedade, ou até mesmo diante dos irrelevantes, disfarçam a covardia, o medo e, pior ainda, a hipocrisia. Em termos de Brasil, cuja sociabilidade é marcadamente extrovertida, estas posturas cabem menos ainda. 

A participação

No geral, os intelectuais, principalmente aqueles abrigados nos castelos das universidades, têm muito medo de se expor. Eles(as) dificilmente se movimentam para fora do seu métier. Tudo é motivo de preocupação com o nome e a carreira, mesmo que esta algumas vezes seja medíocre.

Com efeito, penso que pessoas que têm posição de destaque na sociedade, como os(as) professores(as) universitários(as), que são formadores(as) de opinião, não têm o direito de se furtar à participação, seja ela no que for. Conforme menciona Juan Bordenave no texto “O que é participação?” (1983), “a participação é uma necessidade humana universal”

Em termos de participação e posicionamento, Karl Marx tem muito a nos ensinar. Ele sempre escreveu, criticou, debateu, confrontou, enfim, sempre participou e se posicionou diante de todas as situações da vida, inclusive, pagou um preço alto por isso. Todavia, entrou para a história pela porta da frente. Com sua teoria, método e militância ele revolucionou a ciência, a política e a sociedade. 

Marx era um intelectual, mas era, acima de tudo, um militante. Nunca teve medo de se expor e de lutar. Neste âmbito, os intelectuais, principalmente os da universidade, que são pagos pela sociedade, precisam se inspirar no filósofo e sociólogo alemão e participar da “vita activa”, conforme a definição de Hanna Arendt. 

A neutralidade não existe

Ademais, é preciso saber que nenhum estudo, nenhuma pesquisa, nenhuma carreira está descolada da dimensão social, cultural, política e econômica que a cerca. O intelectual é intelectual o tempo todo. Não existe neutralidade axiológica. Isto é uma cilada do positivismo. 

Neste sentido, o intelectual tem que ter lado. Tem que ter posição sobre tudo e todos. E tem que publicizar esta posição. Aqueles(as) que não se posicionam politicamente em nenhum momento, de nenhuma forma, por nenhum meio são, na verdade, “voyeurs” da vida social.

Eu nunca tive medo de me expor, de emitir opiniões, de me posicionar politicamente a respeito de qualquer tema. Às vezes errando, noutras acertando. Mas em todas, preocupado sempre em promover o debate público relacionado aos problemas sociais, defender causas e, principalmente, combater as injustiças. 

Concluo, relembrando a frase cunhada pelo filósofo Aristóteles: “o homem é um animal político”. Ou seja, a vida social não se faz sem posicionamentos políticos, afinal, tudo é política. Portanto, a conduta de observador, sem nenhum posicionamento, é voyeurismo e covardia. 

*O autor é sociólogo.

Ilustração: Gilmal