Acabou o talento do jogador brasileiro?

"O futebol é o nosso maior patrimônio cultural. Neste sentido, é preciso que se gerencie melhor este patrimônio"

Acabou o talento do jogador brasileiro? - Arte Gilmal

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*

Publicado em: 06/01/2024 às 00:00 | Atualizado em: 06/01/2024 às 00:06

O futebol brasileiro foi mais uma vez humilhado. A derrota do Fluminense para o Manchester City por 4×0, na final do Mundial de Clubes da FIFA de 2023, acendeu novamente a discussão sobre o desaparecimento de jogadores brasileiros talentosos.

Contudo, ao menos para mim, não existe falta de jogadores talentosos. Também não existe crise na revelação de novos jogadores, a chamada safra que, às vezes, é boa, às vezes, é ruim, segundo alguns analistas esportivos. Nada disto! 

A falência do nosso futebol

De fato, o futebol brasileiro não tem mais a hegemonia. É uma verdade inconveniente, mas tanto a seleção nacional quanto os clubes não intimidam mais ninguém. Entretanto, a falência do nosso futebol passa ao largo de questões técnicas ou de ausência de talento.

Neste sentido, pensemos um pouco e façamos a seguinte pergunta: como pode o futebol nacional estar tão abaixo do futebol europeu, por exemplo, e os jogadores brasileiros continuarem sendo altamente requisitados justamente pelos clubes europeus? A Europa é o destino quase certo para os jogadores brasileiros a cada temporada.

Neste âmbito, surge outra pergunta: estariam os clubes europeus contratando jogadores sem talento, os chamados “pernas de pau”? Não creio nisto. Pelo contrário, os clubes europeus levam nossos jovens talentos cada vez mais cedo todos os anos. 

Não é falta de talento

É neste sentido que afirmo que não se trata de falta de talento. O problema não é, nunca foi e nunca será de safra ruim ou boa, mas, sim, de gestão. O Brasil é um celeiro de grandes jogadores. Em cada cidade, em cada bairro, em cada rua, há excelentes jogadores surgindo. A questão é que, devido ao alto nível de desorganização do nosso futebol, muitos talentos se perdem ainda no nascedouro. 

Por outro lado, aqueles que conseguem ser vistos por algum olheiro ou conseguem chegar às categorias de base de algum grande clube, ao despontarem, são imediatamente vendidos para o estrangeiro. Aliás, deveriam ser proibidas a venda e a saída do país de jovens jogadores com menos de 18 anos de idade. 

A saída tão precocemente dos jogadores de talentos deixa o nível do futebol nacional cada vez mais baixo e, por outro lado, aumenta o nível e a qualidade do futebol estrangeiro. Como dito, o jogador brasileiro é negociado no mundo todo. E ninguém compra “cavalo manco”. Ou seja, o jogador brasileiro continua sendo procurado por ser de excelente qualidade. 

Os fenômenos estão por aí

A crise do futebol brasileiro, materializada na goleada sofrida pelo Fluminense, não é de falta de jogador talentoso. Os Pelés, os Garrinchas, os Zicos, os Romários, os Ronaldos e tantos outros fenômenos estão por aí. 

Contudo, na maioria das vezes, inacessíveis e perdidos devido à falta de gestão séria do nosso futebol. Devido ainda à falta de políticas públicas e legislações que incentivem a descoberta de novos talentos e que protejam da sanha do mercado os jogadores brilhantes. O futebol é o nosso maior patrimônio cultural. Neste sentido, é preciso que se gerencie melhor este patrimônio. 

Conclusão

A crise do futebol brasileiro é político-administrativa. Trata-se de uma crise tão grave e desesperadora que, atualmente, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) encontra-se sob intervenção. Uma intervenção ordenada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), que afastou o atual presidente Ednaldo Rodrigues de suas funções.

A desorganização e as maracutaias dentro da CBF alcançam e contaminam todos os segmentos relacionados a este tão amado desporto nacional. Desta forma, isto é um fato, nenhum talento, nenhuma genialidade, sobrevive a tantos desmandos, a tanta desorganização e aos diversos tipos de fraudes. 

Sobre a pergunta, título deste texto, a resposta é não. Não acabou o talento do jogador brasileiro. O talento e a genialidade continuam existindo e vão existir para sempre. São como a fertilidade das várzeas dos rios Solimões e Amazonas, renovada todos os anos pelos fenômenos de enchente e cheia. O que falta mesmo é gestão e organização. 

*Sociólogo

Arte: Gilmal