A grande jogada do capital
O fracasso, seja ele qual for, é tratado da seguinte forma: “a culpa é sua que não estudou”, “que não trabalhou o suficiente”

Mariane Veiga, por Aldenor Ferreira
Publicado em: 09/12/2023 às 04:00 | Atualizado em: 09/12/2023 às 09:04
A culpabilização das pessoas é a grande jogada do capital. No neoliberalismo, doutrina econômica capitalista mais perversa, o êxito e o fracasso são de inteira responsabilidade do sujeito.
O fracasso, seja ele qual for, é tratado da seguinte forma: “a culpa é sua que não estudou”, “que não trabalhou o suficiente”, “que não foi sábio para empreender”, “que não poupou”, enfim, “que não lutou aguerridamente para obter êxito na vida”.
O pior é que a dimensão da culpa e da responsabilização se estende para outras esferas da vida social. Na questão ambiental, a grande jogada do capital foi a transferência, teórica e prática, para as pessoas da responsabilidade pela destruição do meio ambiente e, consequentemente, do planeta Terra.
É comum encontrarmos em documentos oficiais, livros didáticos, artigos científicos, na literatura de modo geral, frases de efeito como estas: “a humanidade está destruindo o planeta”; “nós estamos matando a vida na Terra”; “o homem se tornou o maior inimigo da natureza”.
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A culpa é do capital
Contudo, o maior agente de destruição do planeta é o capitalismo.
São as grandes companhias transnacionais que poluem terras, águas e o ar.
São as grandes mineradoras e petroquímicas que derramam lama tóxica nos rios e fazem cidades afundarem.
Refiro-me aos recentes casos da Braskem em Maceió, no estado de Alagoas, e da Vale do Rio Doce, em Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais.
São as grandes companhias de pesca que varrem os oceanos com suas redes gigantescas, esgotando os estoques pesqueiros. Em muitos casos, de forma irreversível.
Igualmente, são as grandes companhias de exploração de celulose com suas megaplantações de eucalipto que drenam toda a água subterrânea onde se instalam.
São, também, as grandes fazendas produtoras de soja que utilizam defensivos agrícolas em grandes quantidades, com grave consequência para a água dos rios e para o solo.
Em cada setor da economia capitalista há inúmeras empresas poluidoras.
Nesse sentido, quem verdadeiramente destrói o meio ambiente não sou eu ou você, caro(a) leitor(a). Nós não realizamos exploração predatória dos recursos naturais. Na verdade, assim como a Terra, nós somos vítimas de um sistema econômico irracional e insustentável.
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Sem salvação
Certamente, iremos continuar tendo atitudes ecologicamente corretas, tais como: reciclar o lixo, utilizar menos combustíveis fósseis, reutilizar embalagens, evitar o uso de plásticos etc.
Todavia, é fundamental a tomada de consciência de que os verdadeiros destruidores da vida na Terra não somos nós.
Nesse âmbito, afirmo que não há a menor possibilidade de salvação do planeta com o sistema capitalista. No máximo, irá ocorrer aquilo que o filosofo francês Michel Serres já declarou.
Segundo ele:
“Podemos certamente tornar mais lentos os processos já lançados, legislar para consumir menos combustíveis fósseis, replantar em massa florestas devastadas […] iniciativas excelentes, mas que, no total, levam à imagem do navio correndo a 25 nós em direção a uma barreira rochosa onde infalivelmente ele baterá e sobre cuja ponte o oficial superior recomenda à máquina reduzir um décimo da velocidade sem mudar a direção”.
Portanto, a grande jogada do capital é a responsabilização e culpabilização das pessoas, eximindo-se de suas responsabilidades e culpas.
Nesse processo, as empresas capitalistas invisibilizam-se e surge apenas o sujeito/consumidor como o grande artífice e culpado pela destruição do planeta.
Isso é totalmente falso.
O autor é sociólogo.
Ilustração: Gilmal/especial para o BNC Amazonas