Extrativismo na Amazônia é uma ilusão
Enquanto prática e conceito ele é muito bom para alimentar o ego e enriquecer o Currículo Lattes de pesquisadores

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*
Publicado em: 14/10/2023 às 00:15 | Atualizado em: 14/10/2023 às 15:09
O extrativismo, especificamente o vegetal, é uma grande ilusão. Enquanto prática e conceito ele é muito bom para alimentar o ego e enriquecer o Currículo Lattes de pesquisadores românticos que possuem visão edênica da Amazônia, o maior e mais rico bioma do nosso país.
Na verdade, o extrativismo é uma reminiscência de práticas ancestrais na região. São importantes para a manutenção da vida diária, no sentido do autoconsumo, mas são decrépitas em termos de geração de emprego e renda de maneira satisfatória para uma determinada comunidade de baixa renda.
Alfredo Homma, no texto Colhendo da Natureza: extrativismo vegetal na Amazônia (2018) afirma que “a economia extrativa é apropriada quando o mercado é pequeno ou até quando existirem grandes estoques de recursos extrativos na natureza. Todavia, alerta o pesquisador, “quando o mercado começa a crescer, o setor extrativo é incapaz de suportar o crescimento da demanda”.
Borracha
A história da Amazônia registra vários episódios que materializam a definição de Alfredo Homma. O mais famoso deles, certamente, é o do extrativismo da borracha que, por algumas décadas, fez a fortuna de muitos barões em Manaus e Belém.
Contudo, a gigantesca soma de capital produzido pela economia gomífera na Amazônia assentava-se em uma base extremamente frágil. Tratava-se de um gigante com os pés de barro, pois toda a produção de borracha era oriunda do extrativismo.
No momento em que as seringueiras, levadas da Amazônia em 1876 pelo botânico inglês Henry Alexander Wickham (1846-1928), começaram a produzir sob a forma de agricultura no Sudeste Asiático todo o “fausto” amazônico começou a ruir.
Outro caso famoso da economia extrativa na Amazônia foi o da essência de pau-rosa, um excelente fixador para cosméticos. Atingiu o pico de exploração na década de 1950, declinando vertiginosamente nas décadas seguintes. No caso do pau-rosa, ocorreu a sua quase extinção, visto que era preciso derrubar a árvore para a retirada de seu óleo essencial.
Durante a realização de pesquisas para a minha tese de doutorado encontrei, em São Paulo, registros de uma experiência bem-sucedida de exploração da malva (Urena lobata L.) capitaneada pelo engenheiro da Escola Politécnica de São Paulo, incorporada à USP em 1934, Augusto Carlos Silva Telles (1851-1923), que, na década de 1910, fundou a Fiação e Tecelagem Aramina para explorar a cultura no estado.
A ideia foi boa, mas o abastecimento da fábrica de Telles se deu com fibras vindas do extrativismo. Em pouco tempo, com o aumento da demanda, a produção de fibras passou a não ser suficiente e a fábrica acabou fechando as portas.
Concordo plenamente com Alfredo Homma, pois no extrativismo, quando há aumento muito rápido na procura, geralmente, a oferta não consegue acompanhar.
Portanto, a solução para o fornecimento de matéria-prima constante, que suporte o aumento da demanda, passa necessariamente pela via da domesticação. Aliás, domesticar plantas é o que a humanidade já faz há pelo menos dez mil anos.
Neste sentido, é preciso utilizar a tecnologia e a biotecnologia que dispomos.Assim, podemos acelerar o processo de domesticação de plantas economicamente viáveis, passando a dispor delas sob a forma de agricultura ou em sistemas integrados como os Sistemas Agroflorestais – SAFs.
Embrapa
A Embrapa Amazônia Oriental possui excelentes resultados no âmbito da domesticação de plantas amazônicas economicamente viáveis. Com maiores investimentos e políticas públicas específicas para o desenvolvimento da domesticação, bem como a utilização de áreas já desmatadas para este fim, um grande salto poderia ser dado na região no que se refere a este tema.
Não se pode ficar preso ao romantismo de práticas ancestrais como forma de preservar a natureza e de viver em harmonia com ela. Na verdade, também é ilusão achar que o extrativismo não tem potencial para extinguir espécies. A exploração indiscriminada do pau-rosa mostra bem o quanto o próprio extrativismo pode ser danoso para uma determinada espécie.
Concluo, afirmando que o culto ao extrativismo é, na verdade, o culto à pobreza, às condições precárias e indigentes em que vivem centenas de comunidades tradicionais na Amazônia que se dedicam apenas ao extrativismo. O extrativismo é, nisto insisto, uma grande ilusão.
Sociólogo
Foto: Gilmal