A arte cura
Agora, os prédios cidade de Manaus, palácio do comércio e palácio rio Amazonas, possuem murais emblemáticos.

Ednilson Maciel, por Dassuem Nogueira*
Publicado em: 13/08/2023 às 14:51 | Atualizado em: 13/08/2023 às 14:52
Em Manaus, de 2 a 12 de agosto, aconteceu a CURA – Amazônia. O festival de arte pública nascido em Belo Horizonte é itinerante.
O festival ocorreu em uma semana emblemática para os povos indígenas. Pois no dia 7 de agosto foram divulgados o censo da população indígena pelo IBGE.
O resultado mostra um crescimento de quase 100% da população até 2022. Os números são aliados contundentes para consolidação e ampliação de políticas públicas para os indígenas. Sobretudo, para os que estão nas cidades.
Os números foram oportunos para os debates do dia 9, o dia internacional dos povos indígenas. Uma das implicações práticas do reconhecimento em números da população indígena é a força para a execução de políticas públicas direcionadas a esse segmento.
O Circuito Urbano de Arte (CURA) faz um jogo de palavras que brinca com a palavra curadoria. A curadora ou curador de arte é o equivalente ao de editor de um filme ou livro.
Pois é deles o trabalho de escolher o que será mostrado ao público a fim de dar um enfoque desejado.
O CURA Amazônia transformou o Largo de São Sebastião, no centro da cidade, em um mirante de arte. As principais atrações do festival são os murais nas empenas, como se chama as laterais dos prédios na arquitetura.
Agora, os prédios cidade de Manaus, palácio do comércio e palácio rio Amazonas, possuem murais emblemáticos.
Eles são trabalhos de artistas plásticos indígenas de reconhecimento internacional, como Denilson Baniwa, que pintou o mural exibido na empena do Cidade de Manaus.

O edifício rio Madeira comporta um mural pintado pela artista Olinda Silvano, do povo Shipibo Conibo, da Amazônia peruana. Outros edifícios terão a assinatura de artistas locais. O Palácio do comércio, por exemplo, terá um mural da artista Débora Erê.


Entidades no teatro Amazonas
Jaider Esbel, do povo Macuxi, é um dos expoentes da arte indígena contemporânea. Jaider, roraimense de Normandia, costumava chamar atenção para o fato de que os povos indígenas sempre andaram sobre a terra.
Ele dizia que terra macuxi era aquela embaixo de seus pés. Assim, contestava a ideia de que estar fora de sua terra, desqualificaria a pessoa indígena como tal.
A instalação intitulada Entidades foram exibidas pela primeira vez na edição do CURA em Belo Horizonte em 2020. Fizeram parte ainda da primeira bienal de arte indígena contemporânea de São Paulo. Pouco tempo depois, Jaider Esbel faleceu, em novembro de 2021.
É simbólico que as duas cobras cósmicas que compõem a instalação estejam entrelaçadas nos pilares do segundo piso da fachada do teatro Amazonas. Cada uma com 17 metros de comprimento e 1,5 de diâmetro.
O teatro Amazonas é símbolo da cultura erudita e do que é chamado de período áureo da borracha. Tais símbolos de riqueza e erudição não são, geralmente, atribuídos aos povos indígenas.

Além disso, o período da borracha foi, particularmente, violento para os povos indígenas em toda a Amazônia. Muitos deles trabalharam escravizados nos seringais.
A instalação das cobras cósmicas de Jaider sobre o símbolo da riqueza que escravizou os parentes, como se chamam os indígenas de diferentes etnias entre si, é uma imagem poderosa.

As cobras são animais nos quais se transformam os xamãs de muitos povos. Nessa forma, em sonhos ou em viagens cósmicas, combatem os males que adoecem sua gente.

É também por meio delas que, em muitas mitologias, os primeiros humanos chegaram à terra. Assim, as cobras são símbolos da ancestralidade sobre um símbolo da colonização.F
A programação do CURA contou ainda com debates e rodas de conversa sobre arte indígena contemporânea. Contudo, findado o festival, permanece imponente às vistas de quem passa pelo largo, todas as obras. Um presente importante desses artistas para a cidade mais indígena do país.
Todos os murais podem ser vistos do Largo de São Sebastião:
- Edifício Cidade de Manaus – Artista Denilson Baníwa. Mural Piracema.
- Edifício Rio Madeira – Artista Olinda Silvano, do povo Shipibo Conibo (Peru).
- Mural Cosmo e energia amazônicaEdifício Palácio Rio Amazonas – Artista Débora Erê
*A autora é antropóloga
Foto: Cura art/divulgação