Lutar por reforma agrária é ser inteligente
De acordo com o articulista, Aldenor Ferreira, o problema da Reforma Agrária no Brasil, caro(a) leitor(a), não é o MST e as suas ocupações

Ednilson Maciel, por Aldenor Ferreira*
Publicado em: 30/06/2023 às 13:51 | Atualizado em: 30/06/2023 às 14:13
Há consenso entre parlamentares de esquerda, intelectuais, analistas políticos e lideranças dos movimentos sociais, dentre outros, de que a CPI do MST foi instaurada na Câmara Federal apenas para desviar a atenção da sociedade de outra investigação: a da CPMI dos atos antidemocráticos do dia 8 de janeiro de 2023.
Eu concordo com essa análise, de fato, foi isso mesmo. Trata-se de um processo patético, uma tentativa aberta de criminalização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, feita por representantes ou mesmo membros da burguesia agrária brasileira. O segmento social que, salvo as exceções, é o mais obtuso, retrógado e antinacional que temos em nosso país.
O problema da reforma agrária no Brasil, da impossibilidade de construção de um processo democrático de acesso à terra, caro(a) leitor(a), não é o MST e as suas ocupações, pelo contrário, este movimento faz parte da solução deste problema que, desde a colonização do Brasil, nunca foi resolvido.
De forma oposta ao que ocorreu em diversos países, inclusive nos Estados Unidos e a sua Lei do Homestead, ou Lei de Terras, promulgada em 1862, no Brasil, a burguesia agrária, da qual parte considerada dos parlamentares na Câmara Federal é composta por vassalos, nunca se interessou pela reforma agrária, sempre se apoiou nos favores e benesses do Estado para tocar os seus empreendimentos e, pior, se movimentar contra a Reforma.
Um exemplo desta afirmação é a Lei n.º 601, promulgada em 18 de setembro de 1850, a famosa Lei de Terras. Esta lei, bem como as outras que a sucederam, criou uma estrutura fundiária perversa em nosso país, com privilégios ao grande capital e aos grandes proprietários, cujos desdobramentos se fazem sentir ainda hoje.
Na prática, a Lei de Terras de 1850 impediu que milhares de trabalhadores negros libertos após 1888 se tornassem pequenos proprietários, impossibilitando, dessa forma, que fosse criado em nosso país um modelo de desenvolvimento rural baseado na pequena propriedade, com produção diversificada e realizada a partir da organização familiar de produção. E não apenas isso, a referida lei aprofundou ainda mais o modelo agroexportador, cuja pedra de toque é o latifúndio.
É importante lembrar aos desinformados, ou àqueles que adoram bater continência à bandeira dos Estados Unidos, que foi justamente o chamado Homestead Act de 1862 que possibilitou o assentamento de mais de 600 mil colonos norte-americanos até o início do século XX, promovendo, dessa forma, a democratização do acesso à terra e a diversificação da produção agrícola.
Certamente, há singularidades e especificidades na lei de terras norte-americana. Não estou querendo transpor de maneira mecânica uma realidade vivida naquele país para o Brasil, mas, sim, analisar a questão da reforma agrária não como uma pauta atrasada, anacrônica, ou, ainda, como uma pauta tipicamente socialista ou comunista como muitos parlamentares bolsonaristas obtusos e fanáticos afirmam ser.
Um rápido levantamento da questão fundiária de alguns países importantes no âmbito do capitalismo mundial como os Estados Unidos, a França, a Itália, o México, a China e a Índia, para citar apenas alguns, revela o contrário daquilo que prega a horda bolsonarista. Todos estes países fizeram a sua reforma agrária.
Isto me leva a afirmar que a pauta da reforma agrária é uma pauta que atende também aos interesses capitalistas. Todavia, para os obtusos parlamentares representantes do capitalismo parasitário e Estado-dependente brasileiro, esta pauta parece significar coisa de comunista desocupado.
Neste âmbito, ao contrário do que pregam, de maneira preconceituosa, os parlamentares de extrema-direita na CPI do MST, a reforma agrária não é uma necessidade ou uma exigência de um bando de vagabundos e arruaceiros. Na verdade, trata-se de um processo que cria e diversifica cadeias produtivas no território onde ela ocorre, que aumenta e diversifica a produção agropecuária, enfim, que gera trabalho e renda no campo.
Neste sentido, ao tentar criminalizar a luta pela reforma agrária, por meio de uma CPI, os parlamentares de extrema-direita da Câmara Federal dão sinais claros de estupidez, de mau-caratismo e desconhecimento da história agrária de países capitalistas importantes e ricos, como os Estados Unidos e a França, que equacionaram de maneira satisfatória a questão agrícola e agrária em seus territórios há bastante tempo.
Concluo, afirmando que lutar por um pedaço de terra para trabalhar e viver não é crime; que lutar pelo cumprimento da Constituição Federal também não é crime. Na verdade, lutar por reforma agrária é ser e agir de maneira inteligente. Somente os tolos e boçais são contra.
*O autor é sociólogo.
Foto/ilustração: Gilmal