As redes sociais e a estética musical de mau gosto
Podemos dizer que a música popularesca brasileira vive o seu melhor momento, pois nunca se ganhou tanto dinheiro com idiotices

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*
Publicado em: 20/05/2023 às 06:18 | Atualizado em: 20/05/2023 às 06:18
A apreciação de um álbum musical inteiro já há algum tempo ficou restrito ao gosto de poucas pessoas, assim como se tornou muito difícil encontrarmos bandas e cantores(as) solos, cuja produção musical vá além de um único hit.
Com o advento das redes sociais como TikTok, YouTube e Instagram, especialistas em vídeos, não é mais necessária a produção de um álbum musical completo, com certo número de faixas traduzindo um conceito, uma ideia ou levantando uma causa. Basta apenas um hit para que a banda, o cantor ou a cantora fiquem famosos e ricos da noite para o dia, ainda que esta fama e riqueza possam ser efêmeras.
Estes espaços digitais possibilitaram a criação de um campo aberto para a produção de bizarrices das mais diversas. Sem sombra de dúvida, podemos dizer que a música popularesca brasileira vive o seu melhor momento, pois nunca se ganhou tanto dinheiro com idiotices e conteúdos sexuais depreciativos como agora.
É importante mencionar que as músicas popularescas sempre existiram por aqui. Todas as gerações, em um dado momento, tiveram o privilégio ou o azar de ouvir versos, melodias e harmonias simplórias e carregadas de sexualidade. Todavia, elas corriam paralelas ao bom conteúdo, à boa produção musical, aos arranjos majestosos e às harmonias envolventes. Ou seja, não eram protagonistas do cenário musical como está ocorrendo atualmente.
Neste momento, a indústria cultural, conceito criado por Theodor Adorno e Max Horkheimer, apresentado de forma prognóstica pela primeira vez no texto Dialética do Esclarecimento (1947), tem produzido verdadeiros abortos no segmento musical brasileiro. Estabeleceu-se uma simplificação tosca e exagerada no âmbito das composições musicais. Estas, salvo as exceções, passaram a ser pensadas a partir do tripé: sexo, álcool e objetificação das mulheres.
A ausência destes elementos na composição musical é receita certa para que ela não viralize nas redes sociais supracitadas. A simplificação e a redução do número de acordes de uma música, bem como a ênfase dada apenas na pulsação rítmica, fazem com que os termos criatividade, originalidade e qualidade sejam drasticamente desvalorizados e até mesmo desprezados.
A métrica, a letra e os arranjos sofisticados não são mais importantes, o que importa mesmo é o balanço do bumbum. Desta forma, a lógica da produção de uma arte, no caso a produção de uma boa música, foi substituída pela lógica da produção em massa de uma simples e descartável mercadoria que, na mesma velocidade em que é produzida e lançada, também desaparece.
Neste sentido, penso eu, as redes sociais não estão fazendo estrago apenas na área da política, sendo vetores de desinformação e discursos de ódio. Elas também estão ajudando a destruir a música brasileira, atuando como difusoras de músicas curtas, sexualizadas e apelativas, cujas letras desprezam a concordância verbal e nominal, mas têm grande potencial de replicação em vídeos de dancinhas sensuais que rendem alguns milhares de reais aos seus criadores.
Diante deste cenário desolador, meu desejo e esperança é que compositores(as), produtores(as), cantores(as) e demais profissionais do segmento, que não veem a música apenas como uma mercadoria, mas, sim, como uma arte, não desanimem. Afinal, é preciso combater e vencer a estética do mau gosto.
*Sociólogo
Arte: Gilmal