Fé cega, faca amolada

Neste artigo a autora fala sobre ter participado da posse de Lula, dividindo com amor e esperança o início de 2023.

Fé cega, faca amolada

Ednilson Maciel, por Giulia Mendes Gambassi*

Publicado em: 04/01/2023 às 12:14 | Atualizado em: 04/01/2023 às 12:14

Anos atrás eu jamais iria a um evento como a posse de Lula. Muito menos teria votado nesse candidato. Afinal, a deformação política que é trazida à classe média, principalmente quando se tem acesso a ambientes de classe média-alta, é assustadora. No início da minha juventude, era ali que eu transitava.

Fiz uma pesquisa na graduação sobre pobreza e discurso político certa de que encontraria resultados que confirmariam o que eu ouvia sobre o PT e sobre o bolsa família. Me enganei. Em seguida, foi junto ao movimento estudantil, que aprendi a deixar outros pré-construídos para trás e me envolvi com a luta pelas cotas na pós-graduação da Unicamp.

Depois desse percurso, abreviado aqui, não consigo mensurar o que foi me emocionar cantando o hino nacional e ouvir o nosso chefe de Estado dando prioridade à dignidade da vida humana. No primeiro domingo de 2023 fui atravessada por uma sensação indescritível de pertencimento e esperança.

Depois de quatro anos com medo de dizer ou fazer algo que pudesse gerar uma ilógica reação violenta, simbólica ou física, estive cercada de pessoas que têm compromisso com a transformação social. Ao meu redor estavam brasileiros de todos os cantos do Brasil, de diversas classes sociais e idades, com diferentes identificações de gênero, portadoras ou não de deficiência – todos felizes.

Parecia que a gente se conhecia. E talvez tenhamos nos encontrado, de alguma forma, na escuridão dos últimos quatro anos, em meio ao silêncio que às vezes se transformava em grito, no desespero que evoluía para revolta, no horror dos acenos à ditadura que, paradoxalmente ridicularizada e enaltecida, assombrou quem conhece nossa história.

Mas, naquele momento, não eram os fantasmas que nos tornavam familiares. Nós não estávamos mais unidos pelo medo; ali, era nosso sorriso incontrolável, nosso amor pela vida e pelo que ela pode ser – individual e coletivamente – que nos tornavam um coletivo.

Não conseguimos entender de imediato – sem acesso à internet e com alguma distância da rampa do Palácio do Planalto – quem, afinal, estava entregando a faixa. De todo modo, em algum momento entendemos que nós estávamos representados ali, como se segurássemos em nossas mãos o adereço que um dia esteve nos ombros de Dilma. Assim, mesmo ficando mais de seis horas sob o sol de Brasília na Praça dos Três Poderes, com pouco acesso à água e sem sombra, foi indescritível ter participado deste momento histórico.

A emoção do presidente ao falar conosco era e é a nossa; a indignação com a fome e o desejo de um país menos desigual, também. Nesse sentido, nos poucos dias de seu governo, é possível perceber a incomparável capacidade de gestão de Lula, que não tem medo de fazer do seu governo algo muito maior do que ele – como vemos e ouvimos a cada discurso de posse dos ministros.

Sabemos que não será um caminho fácil, muito menos agradável a todos o tempo todo, mas temos fé de que teremos um país melhor daqui a quatro anos. De que veremos recrudescer a pobreza e, quem sabe, poderemos nos orgulhar da “fome zero” novamente.

Mesmo que eu não tenha conseguido assistir o tão esperado Festival do Futuro, que contou com artistas incríveis de todos os tipos e cantos, pude esperançar novamente e acreditar que há algo além do fim do túnel escuro que estávamos atravessando sem rumo. A luz que se aproxima acena que nossos esforços não foram nem serão em vão.

Ter participado desse momento, dividindo com amor e esperança o início de 2023, foi de uma potência sem fim. Potência essa que ecoará enquanto (re)construímos – na ciência, nas salas de aula, na agricultura familiar, na arte, na luta pelos Direitos Humanos, do meio ambiente e dos animais, bem como em tudo que de mais bonito o Brasil tem a oferecer – o futuro resgatado por todos os que trabalharam para eleger este governo.

Desejo força ao nosso presidente no desafio de reconstruir um país que não faz mais do que sua obrigação ao cuidar do povo e garantir sua dignidade. Agradeço ao Lula e a todos os brasileiros que não desistiram da gente, depositando nas urnas, mais uma vez, fé cega e faca amolada.

Esperancemos!

*A autora é doutora em linguística aplicada.

Foto: Giulia Mendes Gambassi