Bolsonarismo: a Hidra de muitas cabeças

Para Aldenor Ferreira, de todos os malditos legados deixados por Bolsonaro, o pior que ficou foi o bolsonarismo

Bolsonarismo: a Hidra de muitas cabeças

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*

Publicado em: 31/12/2022 às 09:22 | Atualizado em: 31/12/2022 às 09:26

Como já escrevi nesta coluna, não é verdade que o governo Bolsonaro não tenha deixado nenhum legado ao Brasil. Ele deixou vários, porém, são todos malditos, sendo, o pior deles, o bolsonarismo – que chamo aqui de Hidra de muitas cabeças.  

O mérito de Bolsonaro nessa história reside no fato de ele ter sido a voz difusora e o espelho que parte considerada da sociedade nacional finalmente encontrou, podendo, dessa forma, se contemplar, se deliciar e, finalmente, se ver representada na mais alta esfera de poder da república – a presidência.

O bolsonarismo sempre existiu no Brasil. Claro que não com esse nome, mas com todos os elementos que o compõem, tais como: ódio de classe, racismo, preconceito, homofobia, ressentimento, ódio à cultura e à ciência, mau-caratismo, falso moralismo, malversação do dinheiro público, apadrinhamento, fisiologismo e tantos outros.  

Todavia, essa “gente de bem” que compõe o bolsonarismo, sempre esteve no fundo da cena desse espetáculo chamado Brasil. Ao ascender à presidência da república, Bolsonaro direta e indiretamente traz para a frente do palco todo esse segmento reacionário da sociedade e, pior, torna-o protagonista do espetáculo. 

Os desdobramentos do resultado da eleição apontam que, apesar de Bolsonaro ter sido derrotado, o bolsonarismo ainda permanece e não dá sinais de que irá desaparecer tão fácil. Na esfera institucional, há pelo menos seis governadores eleitos que são bolsonaristas, além de um número alto de senadores e deputados federais que comungam dos princípios nazifascistas do bolsonarismo. Há, ainda, uma centena de empresários que financiam atos golpistas e terroristas Brasil a fora. 

Hidra de Lerna

Pensando por analogia, estamos, portanto, diante da Hidra de Lerna e suas várias cabeças. Explico: conforme a mitologia grega, a Hidra era uma serpente que tinha o poder de regenerar as suas cabeças quando eram cortadas. O monstro fora criado por Hera para matar Hércules, filho de seu marido Zeus com uma mortal. Contudo, em uma batalha épica, Hércules corta todas as cabeças da Hidra e, com a ajuda de Iolau, queima as feridas recém-abertas, impedindo, assim, o nascimento de novas cabeças. Esse ato leva à sua derrota. 

O mito da Hidra de Lerna é muito interessante para analisarmos o atual momento do Bolsonaro e do bolsonarismo no Brasil. A derrota no dia 30 de outubro significou o corte das cabeças, mas só isso não basta. É preciso seguir a mesma estratégia de Hércules e Iolau e cauterizar as feridas imediatamente. Somente dessa forma a derrota de Bolsonaro, a Hidra, e do bolsonarismo, as cabeças com potencial para renovação, será definitiva. 

Neste ponto, surgem duas questões importantes. A primeira é: como impedir que as cabeças da Hidra nasçam de novo? Já a segunda aponta: como o novo governo poderá fazer isso? No meu entendimento, inicialmente será necessária a aplicação rigorosa das leis já existentes no país. Devem-se utilizar de todos os recursos já dispostos na Constituição Federal e nos demais códigos brasileiros.

Concomitante a isso, conforme também já escrevi nesta coluna, deverá ocorrer um processo de desmilicianização do Estado. Além disso, o resgate radical de sua institucionalidade e hierarquia. Por fim, um terceiro ponto: é fundamental um amplo programa educacional de abrangência nacional. Esse programa deve perpassar por todos os níveis de ensino. Assim, alicerçado na moderna pedagogia, aprofunde ainda mais o conhecimento da história do Brasil, abrangendo sua formação política, econômica, social e cultural. 

Será preciso, portanto, desbolsonarizar o Brasil. Certamente isso não será tarefa para apenas um presidente ou um partido, tampouco é algo que deverá ser feito em apenas um mandato presidencial. Essa tarefa será de todos os republicanos e democratas; deverá ser um projeto de nação desenvolvido no curto, médio e longo prazo. 

A Hidra de muitas cabeças foi ferida, mas ainda não morreu totalmente. Agora é a hora de dar cabo à sua vida, colocando um fim à sua existência política. Sem isso, não haverá paz social neste país pelos próximos anos. Os episódios terroristas ocorridos em Brasília apontam claramente para isso.

Sociólogo

Charge: Gilmal