Fake News têm que ser crime!

"O poder das fake news é brutal, devastador e maligno. É uma força capaz de colocar quase 60 milhões de brasileiros em estado de hipnose"

Fake News e eleições

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*

Publicado em: 26/11/2022 às 09:05 | Atualizado em: 26/11/2022 às 09:06

Ainda não há o crime de fake news no Brasil. Ao menos não consta textualmente de forma específica no Código Penal (CP). As decisões condenatórias relacionadas a esse tipo de ação, quando ocorrem, geralmente são baseadas em outros crimes previstos no CP, como aqueles que ferem a honra (injúria, calúnia e difamação). 

Certamente, o financiamento, a produção e a divulgação orquestrada de fake news são o mais grave problema da comunicação social mundial nestes tempos hodiernos. Além disso, com a democratização do acesso à internet e às redes sociais esse problema se agravou ainda mais. 

Contudo, mesmo ocorrendo uma verdadeira “pandemia de fake news”, muitas pessoas ainda se posicionam radicalmente contra a criação de qualquer forma de moderação dos conteúdos publicados nas dezenas de redes sociais de alcance mundial. O argumento principal é que qualquer medida nessa direção poderia infringir o direito de liberdade de expressão, direito esse consagrado na constituição brasileira e na de outros países também. 

Nesse âmbito, vamos pensar um pouco. Geralmente se invoca o Art. 5º, Inciso IX, da Constituição Federal (CF), para abalizar os argumentos contrários a qualquer forma de regulamentação da internet e das redes sociais. Mas o que diz o inciso? Vejamos: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. 

Analisando todo o Art. 5º e o inciso supracitado, sinceramente, não consigo ver no texto nenhuma guarida para o cometimento de crimes, seja por meio eletrônico ou físico. Mesmo com a abrangência do termo atividade “intelectual e de comunicação”, o inciso não se coaduna com nenhum tipo de ação leviana ou violenta que venha a prejudicar o direito de outrem.  

Na verdade, conforme a interpretação de muitos juristas brasileiros, esse inciso tem por objetivo a proteção da atividade intelectual e artística, fato que passa, necessariamente, pelas criações audiovisuais, composições musicais, descobertas científicas e demais formas de comunicação por meio de rádio, TV, dentre outros. 

Nesse sentido, o argumento contrário a qualquer tipo de regulação ou moderação da internet e das redes sociais baseada no inciso IX apenas não se sustenta, constituindo-se, na verdade, como um argumento pífio e contrário à paz e à harmonia social. 

Ademais, a legislação precisa acompanhar a evolução da sociedade. Não é mais aceitável alguém ter a sua vida destruída ou cancelada, como muitos gostam de falar, a partir da criação e da divulgação deliberada de conteúdos falsos. Assim como não é desejável a ninguém ter o desprazer de ver os seus caluniadores e/ou difamadores sem punição ou tendo punições extremamente brandas. 

Como dito, a desinformação não produz paz. Pelo contrário, ela é a gênese do ódio e do caos. Nesse sentido, para aqueles que são Os Engenheiros do Caos, para citar, aqui, o título do livro do jornalista e romancista Giuliano da Empoli, “fake news fazem parte da nossa vida”, como disse certa vez Jair Bolsonaro, ao que eu respondo: não, senhor presidente, não fazem parte não!

O poder das fake news é brutal, devastador e maligno. É uma força capaz de colocar quase 60 milhões de brasileiros em estado de hipnose, que se comportam, muitas vezes, como animais selvagens quando acuados. É deprimente, então, constatar que parte considerável da sociedade brasileira está em estado profundo de alienação ou, nas palavras dos sociólogos Merton e lazarsfeld, em uma “disfunção narcotizante”.

Portanto, não há outra alternativa para a sociedade brasileira que não seja a criminalização do financiamento, da produção e do compartilhamento de fake news. É uma questão de sobrevivência nacional, no sentido amplo do termo, pois significa a sobrevivência da democracia, das liberdades individuais e das garantias constitucionais dos cidadãos brasileiros. 

Nesse âmbito, para enfrentar essa situação, a sociedade tem se movimentado, ainda que de forma muito lenta. O Projeto de Lei (PL) nº 2.630/2020, de autoria senador Alessandro Vieira (PSDB), pretende Instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. A ementa do projeto diz o seguinte: 

Estabelece normas relativas à transparência de redes sociais e de serviços de mensagens privadas, sobretudo no tocante à responsabilidade dos provedores pelo combate à desinformação e pelo aumento da transparência na internet, à transparência em relação a conteúdos patrocinados e à atuação do poder público, bem como estabelece sanções para o descumprimento da lei.

Esse projeto já tinha sido aprovado no Senado em 2020 e enviado para a Câmara, ocasião em que, com o intuito de aperfeiçoar o texto, ocorreram várias mudanças. Todavia, em 2022, o pedido de tramitação em regime de urgência, feita por deputados de oposição, foi negado pela casa. 

Foram exatamente 249 votos contrários ao regime de urgência contra 207 a favor. A base governista bolsonarista atuou diretamente para barrar o pedido de urgência. Um erro, pois, se o projeto tivesse sido aprovado, talvez as eleições deste ano tivessem sido mais limpas. 

Nesse ponto, cabe uma pergunta: a quem interessava deixar de fora o combate às fake news? Portanto, cabe ao novo congresso retomar o PL nº 2.630, se possível com votação em regime de urgência, afinal, o Brasil está profundamente doente e a principal causa são as fake news, que não cessaram depois da eleição. 

Concluo, afirmando com toda a convicção, que o financiamento, a produção e o compartilhamento de fake news precisam se tornar crimes, com penas duras. Somente dessa forma poderemos pensar em diminuir as notícias falsas, espalhadas sem o menor pudor nas redes sociais e demais veículos de comunicação. 

Sociólogo*