Bolsonaro e a prisão, Freud explica!
O sociólogo Aldenor Ferreira foi buscar em Freud a explicação para o "ato falho" de Bolsonaro: "por Deus, que está no céu, eu nunca serei preso"

Neuton Correa, Aldenor Ferreira*
Publicado em: 04/06/2022 às 08:36 | Atualizado em: 04/06/2022 às 09:27
Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro fez a seguinte declaração: “[…] por Deus, que está no céu, eu nunca serei preso […]”. Muitos questionaram as motivações dessa fala, outros tentaram, sem sucesso, justificá-la.
Com efeito, há uma explicação plausível para a declaração do presidente, que vem do fundador da Psicanálise, Sigmund Freud. De acordo com os estudos feitos por Freud, apresentados no livro Sobre a psicopatologia da vida cotidiana, publicado pela primeira vez em 1901, a declaração do presidente é, na verdade, um lapso.
Os lapsos freudianos são pensamentos que estão nas camadas mais profundas do nosso inconsciente e que, geralmente, vêm à tona no meio de alguma fala coerente, sem que consigamos controlar, como em um discurso oficial proferido diante de uma plateia atenta.
Mas como isso ocorre?
Ao falar, a pessoa que é perturbada por algum medo real ou perigo iminente – fruto de algo que ele/ela realizou –, é traído pela fala e diz algo que não tinha intenção de dizer, mas que, na verdade, tem um fundo de realidade muito próximo ao que ele/ela queria, de alguma forma, falar. O senso comum chama esse tipo de acontecimento de “gafe”, “ato falho” ou “culpa no cartório”, mas, como dito, de acordo com Freud, trata-se de uma questão psicológica.
O caso de George W. Bush que, recentemente, ao se referir à guerra entre Rússia e Ucrânia com a intenção de condenar a invasão russa, acabou por citar a invasão norte-americana ao Iraque em 2003, ilustra bem o lapso de que tratou Freud.
O devir daquela guerra mostrou que o Iraque não tinha arma de destruição em massa, ou seja, a invasão daquele país, com esse pretexto, foi ilegítima. O pretexto de invasão da Ucrânia pela Rússia, em 2022, é um pouco diferente do pretexto de invasão norte-americana ao Iraque em 2003, mas isso é assunto para outro texto.
Nesse caso, a verdade está lá, nos recônditos do inconsciente Bush, tendo sido trazida à baila de forma inconveniente, evidenciando que a trágica guerra do Iraque foi arquitetada e implementada em cima de uma mentira.
No caso de Jair Bolsonaro, seu subconsciente está enviando mensagens para o seu consciente o tempo todo, assim como a todos nós. Mas eu diria que, por terem conteúdos preocupantes no que tange ao cometimento de delitos, ele acabou fazendo uma fala sobre a possibilidade de sua prisão.
É importante lembrarmo-nos de que esse lapso não é gratuito. Há fortes indícios de cometimento de vários crimes desde o início de seu mandato como presidente da república. Apenas no Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado Federal, criada para investigar as ações do governo federal no enfrentamento da pandemia da Covid-19, há pelos menos nove tipificações penais.
Ademais, de acordo com a Agência Senado, o relatório final da CPI apontou os seguintes crimes: “prevaricação, charlatanismo, epidemia com resultado morte, infração a medidas sanitárias preventivas, emprego irregular de verba pública, incitação ao crime, falsificação de documentos particulares, crimes de responsabilidade (violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo) e crimes contra a humanidade (nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos)”.
Certamente, caberá à justiça o encaminhamento de ações a respeito dessas acusações, com o estabelecimento do devido processo legal e amplo direito de defesa. Todavia, o inconsciente do presidente já o vem cobrando. Freud, na obra mencionada, expõe sua preocupação central em demonstrar como o inconsciente se manifesta ou se expressa de forma cotidiana.
No texto, o psicanalista afirma que há três formas de ocorrência dessa manifestação: sonhos, sintomas psicopatológicos e/ou lapsos que ocorrem no cotidiano.
Eu não sou psicanalista e nem psicólogo, mas gosto de ler, de me aventurar em outras searas no campo das ciências humanas. É nesse contexto que, a partir do que li no texto Sobre a psicopatologia da vida cotidiana, aponto que a análise de Freud é extremamente coerente, sendo o caso que trago aqui um casamento perfeito da teoria com a empiria.
Nesse sentido, ao aplicarmos a teoria freudiana aos lapsos de George W. Bush e Jair Bolsonaro, no mínimo podemos dizer que há algo de estranho na fala dos dois políticos.
Encerro este texto, então, com algumas perguntas, que deixarei para que cada leitor(a) responda pessoalmente: qual é o real motivo para o presidente ter pronunciado a frase “por Deus, que está no céu, eu nunca serei preso” fora de qualquer contexto que indicasse o contrário? Estaria ele com medo da prisão? A frase seria uma autodefesa antecipada? Há, de fato, a possibilidade de uma condenação e, consequentemente, de uma prisão?
Freud já explicou!
*Sociólogo
Foto: Isac Nóbrega/PR