Amazônia e seu imaginário fantástico (parte 1)
No Brasil, de maneira geral, e na Amazônia, de maneira específica, esse imaginário foi enriquecido pelo caldeamento de cultura, proporcionado, fundamentalmente, pela miscigenação

Ferreira Gabriel, Aldenor Ferreira*
Publicado em: 15/01/2022 às 09:33 | Atualizado em: 15/01/2022 às 09:33
A cultura possui aspectos materiais – como museus, monumentos, utensílios – e imateriais – como costumes, símbolos, artes, folclore, entre outros. Dentro do folclore, por exemplo, estão os mitos e as lendas, como as da cobra grande e do boto-cor-de-rosa, histórias fantásticas do imaginário amazônico.
No Brasil, de maneira geral, e na Amazônia, de maneira específica, esse imaginário foi enriquecido pelo caldeamento de cultura, proporcionado, fundamentalmente, pela miscigenação. Naquelas terras, mitos e lendas de povos brancos, negros e índios fundiram-se e criaram um patrimônio cultural imaterial singular, uma riqueza folclórica inigualável.
Sobre o imaginário social, Neide Gondim, no texto “A invenção da Amazônia” (2007), afirma que essa invenção se dá a partir da construção da Índia, fabricada pela historiografia greco-romana e por relatos de peregrinos, missionários, viajantes e comerciantes.
A primeira viagem ao Novo Mundo, afirma Gondim, fez-se acompanhar por esse imaginário. “A mitologia indiana que, a par de uma natureza variada, delicia e apavora os homens medievais […] [com –] monstruosidades animais e corporais […] – influenciou a visão do europeu sobre aquelas terras jamais vistas”.
A Amazônia indígena, espanhola, portuguesa e depois brasileira, nasce, portanto, sob o signo de um imaginário repleto de seres fantásticos. Aliás, o próprio nome da região deriva da mitologia grega, do mito das mulheres guerreiras chamadas de amazonas.
Apenas para relembrar, foi o frei dominicano Gaspar de Carvajal, cronista da expedição do espanhol Francisco Orellana que, em 1542, diz ter encontrado mulheres altas, fortes e guerreiras (as icamiabas) no rio Nhamundá, afluente da margem esquerda do rio Amazonas.
Ao ver tanto ímpeto e habilidade com o arco e a flecha, bem como uma enorme disposição para a batalha, o cronista as comparou com o mito das amazonas.
Como se pode ver, da mitologia grega nasce o nome do maior rio do mundo e, por consequência, do maior estado da federação. A partir daí nomeia-se também a região que abriga a maior biodiversidade do planeta. Parece, então, que não temos muito como fugir do hiperbolismo e das histórias fantásticas que a Amazônia nos impõe, pois eles estão na gênese da nossa formação sócio-histórica.
Como dito, certamente, o caldeamento de cultura na região fez surgir um folclore riquíssimo, consagrando vários personagens que emergem das águas, das florestas, da terra e do ar.
Sobre o folclore, Apolonildo Britto, no livro Lendário Amazônico (2007), afirma que ele é construído por “costumes e mistura de fatos reais e históricos com acontecimentos e personagens que são frutos da fantasia humana”. Folclore, afirma ele, expressa especificamente as tradições, ou melhor, o saber popular.
No folclore amazônico há um amplo repertório de mitos e lendas que apresentam seres encantados e encantadores, oriundos da fauna e da flora da região, como a lenda do curupira, do jurupari, do mapinguari, da vitória-régia, entre outros.
Retomando algumas delas, dentro do lendário amazônico, a lenda da cobra grande é uma das mais conhecidas, sendo retratada em pinturas, músicas, filmes, livros e, também, nos espetáculos apresentados todos os anos pelos bois-bumbás Garantido e Caprichoso, na cidade de Parintins, Amazonas.
No imaginário social da Amazônia, Boiúna, Boitatá, Mãe-d’água, Cobra Honorato ou Anaconda – nomes diferentes para a mesma personagem –, habita os rios, os furos, os lagos e os igarapés da região, inclusive viveu por muito tempo no Lago do Panauaru, na comunidade rural de mesmo nome, no município de Parintins.
Como assim, “viveu por muito tempo no Lago do Panauaru? Saiu de lá?”, o(a) leitor(a) pode estar se perguntando. Explico: em uma bela noite de luar, às margens do Paraná do Aduacá, município de Nhamundá, Amazonas, na casa de um dos meus sete tios, essa foi a história que me contaram: a história da cobra grande que saiu do lago do Panauaru e rumou em direção ao rio Nhamundá.
A história completa, com todos os detalhes, contarei no próximo sábado. Mas já adianto, aqui, que se trata de uma história fantástica do imaginário amazônico.
Até lá!
Sociólogo*
Foto: Divulgação