Por uma gestão democrática da escola!
O objetivo maior de uma escola é formar sujeitos críticos, reflexivos e solidários, com espírito democrático, para que, enfim, possam se tornar sujeitos plenos

*Aldenor Ferreira,
Publicado em: 30/10/2021 às 07:06 | Atualizado em: 05/11/2021 às 21:26
No campo da gestão escolar no Brasil, há duas concepções que buscam a hegemonia. Trata-se da concepção de gestão democrática e da concepção de gestão gerencial.
Esta última é péssima, no meu entendimento, pois, no âmbito de sua prática pedagógica, a escola não deve jamais ser concebida como uma empresa.
A concepção gerencial é claramente neoliberal, elitista, possuindo uma visão predominantemente empreendedora, com acentuadas restrições na elaboração do planejamento escolar por parte da comunidade e o foco em critérios como meritocracia e metas de desempenho.
Por outro lado, a concepção democrática – que não poderia ser de outra forma – preconiza a participação direta da comunidade no planejamento da escola, nas diretrizes pedagógicas e nas demais ações ligadas a esse ambiente.
O foco dessa concepção é a formação integral e democrática do estudante, perpassando a questão da descentralização do poder no que tange ao tema da escola e a todos os seus desdobramentos.
Todavia, em uma sociedade extremamente antidemocrática e autoritária como a nossa, termos como: participação, descentralização de poder, planejamento, comunidade, pluralidade, não soam muito bem nos ouvidos dos tomadores de decisão.
Nos últimos anos, claramente a concepção gerencial tem adentrado os espaços públicos de formação das políticas educacionais brasileiras. Contudo, é fácil observar a sua presença também em espaços privados, como a Fundação Airton Sena, a Fundação Lemann, a Fundação Bradesco, dentre outras.
Ocorre que, no que se refere às políticas educacionais, a Constituição Federal de 1988 é claramente democrática em sua concepção, mas a realidade prática tem se mostrado o oposto disso.
Poucos são os lugares no Brasil em que a comunidade escolar elege o diretor da escola, por exemplo. A participação popular nos conselhos estaduais e municipais de educação praticamente não existe e, mesmo quando existe, tem uma ínfima participação.
Para piorar, há uma crescente adoção da concepção gerencial pelas próprias universidades. Nesse sentido, é comum vermos reitores, diretores, professores e demais servidores encantados pela ideia de universidade/empresa. Todavia, penso eu, escolas, universidades e demais centros de ensino não são fábricas, não são escritórios de holdings internacionais – ou, ao menos, não deveriam.
Certamente é preciso racionalidade e planejamento na gestão desses estabelecimentos, mas, sem a participação direta dos afetados e interessados no processo de gestão, tudo fica sem sentido.
O objetivo maior de uma escola é formar sujeitos críticos, reflexivos e solidários, com espírito democrático, para que, enfim, possam se tornar sujeitos plenos. A escola deve ser, portanto, o berçário da democracia.
Uma escola cuja prática pedagógica está assentada na cilada da meritocracia, no culto ao desempenho, no estímulo à concorrência, não formará sujeitos plenos, mas, no máximo, gerentes, cuja racionalidade não irá além de uma planilha de Excel.
A hegemonização da concepção gerencial na educação brasileira é a vitória da frieza dos números em detrimento de sujeitos, da famigerada “taxa de sucesso” – que ocupou o lugar do santo graal da maioria dos gestores de escolas, universidades públicas e privadas – no lugar da formação cidadã.
Assim, acredito que a concepção gerencial da escola brasileira é, na verdade, a incubadora da razão técnica, instrumental. Uma razão utilitária que produz conhecimento, desenvolve tecnologia, mas que, ao ser questionada acerca dos pressupostos da evolução moral e ética da sociedade, não dá respostas satisfatórias.
Autores clássicos como Nietzsche, Weber, Adorno, Horkheimer, dentre outros, há bastante tempo já questionaram esse tipo de razão. Para esses autores, ela não elevou a sociedade a um maior patamar de humanidade. Na verdade, para eles, essa “razão está podre”.
Max Weber, no texto A ética protestante e o espírito do capitalismo, publicado em 1904, tratou dessa questão de maneira singular a partir da utilização da expressão Stahlhartes Gehäuse. Esse termo foi traduzido do alemão para o inglês pelo sociólogo norte-americano Talcott Parsons, que o tornou conhecido como “gaiola de ferro” ou “jaula de ferro”.
Há várias traduções dessa expressão, mas o que nos interessa aqui é o que Weber quis dizer com ela. O autor alertou que a burocracia, os procedimentos impessoais e racionais, ou seja, o excesso de racionalidade, prendeu o ser humano em uma “gaiola de ferro”. Assim, como Nietzsche já havia alertado, tornamo-nos prisioneiros dessa razão instrumental em um trágico destino para todos nós.
A conclusão a que chego é que, quanto mais a escola for dominada pela concepção gerencial, empresarial, industrial de educação, menos humanidade teremos. E por mais que nesse cenário possa ocorrer a produção de excelentes gerentes, jamais teremos homens e mulheres plenos.
Teremos mais tecnologias e menos poesia, arte e filosofia, ou seja, menos humanidade, como argumentei. As novas gerações se tornarão cada vez mais robotizadas e isso as deixará ainda mais indiferentes, sem empatia, sem amor e sem solidariedade.
Precisamos, então, corrigir isso enquanto há tempo. Por isso, defendo e luto por uma concepção de gestão democrática da escola. Uma gestão participativa, inclusiva, plural e diversa.
*O autor é Sociólogo
Foto: Ricardo Sousa DE J. Júnior. Reprodução/Jornal da Gazeta