Parintins perdeu o encanto!

Crescimento da ilha fez desaparecer da cidade o aspecto romântico de vida do interior e ganhou os problemas das grandes metrópoles

Além do festival do boi, Dnit agora pode prejudicar turismo de Parintins

Neuton Correa

Publicado em: 23/10/2021 às 00:00 | Atualizado em: 23/10/2021 às 00:00

Aldenor Ferreira*

Na semana passada, a cidade de Parintins, minha terra natal, comemorou 169 anos de sua fundação. O município, detentor de singular paisagem natural, continua lindo, mas o encanto se perdeu.

Distante 450 km da capital Manaus, a cidade é comumente chamada por turistas e pelos próprios moradores de: “a ilha encantada”, “a ilha da magia”, “a ilha da alegria”, dentre outros apelidos, numa referência direta à força e à originalidade da cultura local, bem como ao maior espetáculo de folclore do Brasil – que também é um dos maiores do mundo.

De fato, Parintins possui singularidades e especificidades que se materializam na hospitalidade, no bom humor, na criatividade e na religiosidade de seu povo. Todavia, nos últimos vinte anos, a cidade se transformou, perdeu o charme.

Parintins tornou-se o protótipo perfeito da estética terceiro-mundista, com indicadores socioeconômicos de pobreza, concentração de renda, violência e exclusão social elevados.

Adotando um modelo de desenvolvimento mimético, replicando tecnologias e modos de vida de outras regiões do país e do mundo, a outrora cidade das bicicletas, das praças floridas e bem cuidadas, da calmaria do meio-dia, da tranquilidade noturna, tornou-se uma cidade violenta.

Na Parintins do século XXI, roubos, furtos, assaltos, assassinatos cruéis, trânsito violento, tráfico de drogas e atuação de facções criminosas passaram a fazer parte da rotina dos moradores. Esse cenário, típico de grandes capitais e áreas metropolitanas brasileiras, era inimaginável poucos anos atrás.

Atualmente, há problemas estruturais na cidade ligados à saúde, à segurança, à habitação e à infraestrutura.

Apenas para citar um exemplo, a cidade está sem porto. Isso mesmo, ainda que localizada às margens do maior rio do mundo, em uma região onde esses corpos d’água são estradas naturais, a cidade não tem porto fluvial (foto destacada).

Ainda no âmbito da infraestrutura, a orla da cidade é ameaçada todos os anos pelas poderosas águas do rio Amazonas. O muro de arrimo, construído na década de 1980 para impedir seu desbarrancamento de terra, já desabou algumas vezes em diversos trechos e continua na iminência de desabar novamente.

No campo da saúde, a cidade continua com os mesmos dois hospitais inaugurados nas décadas de 1960 e 70, quando a população era de 28.080 e 38.689 habitantes respectivamente, conforme mostram os censos demográficos realizados pelo IBGE na época.  

Atualmente, novamente de acordo com o IBGE em uma prévia referente a 2020, a população de Parintins é de 102.033 habitantes, sendo 69.890 na área urbana e 32.143 na área rural. Ou seja, só a população urbana de hoje é maior do que a população do município inteiro de anos atrás, o que certamente demanda mais serviços públicos de saúde.

É bem verdade que nos últimos anos foram realizados muitos investimentos por parte da prefeitura e do governo do estado do Amazonas nesse setor, mas é preciso mais, pois a cidade de Parintins é um polo regional e, por conta disso, recebe pessoas de outras localidades do estado.

O poeta Chico da Silva certa vez escreveu: “Parintins é uma cidade hospitaleira, para mim uma das primeiras desse meu grande país”. De fato, ela continua sendo hospitaleira, porém a violência e o medo mudaram a ética e a estética da cidade.

À guisa de exemplo, o hábito de sentar-se em frente às residências para prosear no entardecer, a arquitetura dos muros baixos das casas ou mesmo a ausência deles, saem de cena aceleradamente. No lugar, entram os muros altos, as grades e a reclusão, afinal, não é mais seguro ficar fora da residência.

Na verdade, sem exagero, não é mais seguro em nenhum lugar de Parintins, seja na área urbana ou rural.

Alguém poderá objetar e dizer que essas mudanças fazem parte da própria dinâmica de crescimento populacional da cidade, ou que isso é um fenômeno que ocorre em todo o país. Não, não é.

Isso é o resultado da falta de planejamento urbano, de investimentos em segurança pública e, fundamentalmente, de investimentos em geração de emprego e renda a curto, médio e longo prazo. A população cresceu, mas a economia da cidade, não.

Desde o fim do ciclo da cultura da juta, Parintins nunca mais teve uma atividade econômica estável, perene, com potencial de geração de emprego e renda em larga escala. Apesar de toda a importância econômica do Festival Folclórico, isso é um dado de realidade, a cidade carece de fontes de renda, visto que a festa dos bois-bumbá é uma atividade sazonal. 

Portanto, é preciso mais, muito mais!

Ao longo de 169 anos de existência, Parintins se tornou notável devido a seu potencial econômico, pela beleza de sua paisagem natural e humanizada, pelo espetáculo de Garantido e Caprichoso, pela emoção e paixão vermelha e azul e, fundamentalmente, pela paz e pela tranquilidade.

A Parintins de 2021, que passou a ser orientada pela lógica e pelos valores da civilização do automóvel, que vive sob a égide do medo, da violência e do tráfico de drogas, não combina com a Parintins pacata e pacífica de outrora.

Parintins é um patrimônio da Amazônia e, sem sombra de dúvidas, nosso maior orgulho. Mais uma vez nas palavras de Chico da Silva, “a Amazônia virou mundo e Parintins é o nosso país”.

Portanto, é preciso combater a violência, pois ela não combina com o espírito artístico, festivo e criativo da cidade. Precisamos resgatar a magia e o encanto da ilha!

*Sociólogo