Uma escolha irracional

O rodoviarismo foi uma escolha irracional e, hoje, é também antieconômica e antiecológica

Trecho da BR-434

Neuton Correa

Publicado em: 07/08/2021 às 09:12 | Atualizado em: 24/09/2021 às 17:48

Aldenor Ferreira*

Na semana passada fiz uma longa viagem de carro, um percurso de aproximadamente dois mil quilômetros, indo de Mato Grosso do Sul ao Rio Grande do Sul e depois a São Paulo. Essa viagem me permitiu ver in loco a materialização de uma escolha irracional.

Passei por ricos estados brasileiros, como Santa Catarina e Paraná, unidades da federação que utilizam, quase em sua totalidade, o transporte rodoviário feito por caminhões para o escoamento de sua produção agropecuária e industrial.

Essa opção brasileira foi um grande erro, talvez nem tanto pelo modal em si, mas pelo fato de ele ter se tornado praticamente o transporte exclusivo, assim como por não ter havido o investimento necessário na infraestrutura das estradas de rodagem do país.

Nossas rodovias são perigosas, malcuidadas, mal sinalizadas e, na grande maioria, de pista simples.

O nacional desenvolvimentismo de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, passando pelo governo militar, não cumpriu a sua promessa, não modernizou as rodovias nacionais e, pior, praticamente abandonou o modelo de transporte ferroviário.  

O governo de Kubitschek (1956-1961) foi um dos que mais apostou no modal rodoviário. Em sua pesquisa, intitulada Civilização do automóvel: a BR 319 e a opção rodoviarista brasileira, Marcelo Rodrigues afirma que, nessa gestão, as rodovias federais passaram de 22.250 km em 1955 para 34.051 km em 1960.

Ainda segundo Rodrigues, nesse período “as ferrovias se mantiveram quase inertes, passando de 37.092 km para 38.287 km nos mesmos anos”. “Dito de outra forma, enquanto nesse período, a malha rodoviária cresceu aproximadamente 53%, a rede ferroviária restringiu seu crescimento a parcos 3%.”

As décadas de 1950 e 1960 foram, sem dúvida, o marco zero da consolidação de uma escolha irracional. Uma escolha influenciada pelo poder da indústria automobilística que acabou por estabelecer no Brasil um meio de transporte dominante, colocando o país como seu refém.

Ocorre que, feita essa opção, de lá para cá, nenhum governo conseguiu equacionar a questão da infraestrutura das rodovias. Em pleno século XXI, segundo estudo feito pela Confederação Nacional de Transporte (CNT), apenas 12,4% das estradas brasileiras estão pavimentadas.

A concentração de cargas nas rodovias está na casa dos 58%, índice acima de países como China e Austrália, segundo dados da Fundação Dom Cabral, apresentados pelo G1.com. Ademais, segundo a Fundação, “a malha rodoviária é utilizada para o escoamento de 75% da produção no país, seguida da marítima (9,2%), aérea (5,8%), ferroviária (5,4%), cabotagem (3%) e hidroviária (0,7%)”.

A ideia, portanto, de adotar o transporte rodoviário como o vetor de integração nacional – que perpassou todos os governos supracitados e que tinha, em tese, o objetivo de proporcionar o desenvolvimento econômico de regiões distantes do país – não se efetivou até hoje.

Os principais centros econômicos do país, localizados no Sudeste, Sul e Centro-oeste, mantêm certa qualidade de suas rodovias, sejam estaduais ou federais, mas, mesmo nessas regiões, à medida que se penetra em direção ao interior, as rodovias também se tornam precárias. 

Os países economicamente mais desenvolvidos do mundo fazem a articulação e a integração de diversos modais, combinando transporte aéreo, ferroviário, rodoviário e hidroviário.

Praticamente ninguém abandonou “o velho trem” ou o “velho navio”, pelo contrário, modernizaram e ampliaram esses meios de transportes, tanto para cargas quanto para passageiros.

O Brasil já dispôs de expressiva malha ferroviária, que fazia o transporte com charme e eficiência de cargas e passageiros. Alguns leitores podem se lembrar de já ter ouvido falar em Paulista, Mogiana, Sorocabana, apenas para falar em três exemplos de importantes ferrovias.

A escolha, feita lá atrás, vista perante o atual estrangulamento do sistema rodoviário brasileiro, coloca o país em descompasso com os demais países industrializados e nossos concorrentes diretos, como dito, que integram fortemente os seus sistemas modais.

O Brasil, que possui uma das maiores redes hidrográficas do mundo, com rio navegáveis praticamente o ano todo, e que possui uma malha ferroviária que, apesar de abandonada, ainda está por aí, precisa urgentemente ampliar a integração desses modais.

O rodoviarismo foi uma escolha irracional e, hoje, é também antieconômica e antiecológica.   

Sociólogo