Decadência e esperança

"A música brasileira vive o seu pior momento. Estamos no ápice da decadência"

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Neuton Correa

Publicado em: 31/07/2021 às 06:56 | Atualizado em: 24/09/2021 às 17:48

Aldenor Ferreira*

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A música brasileira vive o seu pior momento. Salvo raras exceções, poder-se-ia dizer que estamos no ápice da decadência estrutural dos elementos que compõem uma canção: melodia, ritmo e harmonia.

A indústria cultural, conceito criado por Theodor Adorno e Max Horkheimer, apresentado de forma prognóstica pela primeira vez no texto Dialética do esclarecimento (1947), tem produzido verdadeiros abortos no segmento musical brasileiro.  

É fato que o desenvolvimento das tecnologias de gravação e edição permitiu a proliferação de home studios, tornando a produção musical, outrora cara e distante da realidade de muitos artistas e do público em geral, algo acessível e, de certa forma, barato.

Todavia, essa “democratização” da produção musical não elevou sua qualidade, pelo contrário, há um crescente empobrecimento melódico e harmônico das canções.

A simplificação e a redução do número de acordes de uma música, bem como a ênfase dada apenas na pulsação rítmica, fizeram com que os termos criatividade, originalidade e qualidade fossem desprezados ou relativizados.

A métrica, a letra, os arranjos sofisticados, não são mais importantes, o que importa mesmo é o balanço.

Nesse sentido, a lógica da produção de uma arte, no caso, a produção de uma boa música, foi substituída pela lógica da produção em massa de uma simples e descartável mercadoria que, na mesma velocidade em que é produzida e lançada, também desaparece.

A questão é que a música não pode ser concebida apenas como uma mercadoria, mesmo que, em certo ponto, seja. A sua criação e divulgação precisam ir além desse escopo.

A música é uma obra de arte, ou seja, um processo que envolve imaginação, criatividade, técnica, intepretação da realidade e, por que não dizer, posicionamento político. Ocorre que, atualmente, a produção de uma música tem como foco apenas o aspecto mercadológico.

Nesse processo, enquanto mercadoria, o seu valor de uso – capacidade para satisfazer uma necessidade humana –, passou a estar subordinado ao valor de troca – capacidade que cada mercadoria possui para ser trocada por outra mercadoria –, sendo, este último, determinado exclusivamente pelo mercado.

Em um agudo processo de mercantilização da música, a indústria cultural, noutras palavras, o mainstream, segue coisificando a música brasileira e seus ouvintes, explorando e, ao mesmo tempo, fomentando a estética da futilidade, da efemeridade, da transitoriedade e do mau gosto, cujo mote é: apelo sexual, infidelidade e ostentação de bens materiais.

Por outro lado, dialeticamente falando, há esperança, pois, paradoxalmente, os mesmos meios digitais e suas tecnologias que possibilitam a criação e a propagação de músicas de qualidade duvidosa, também abrem as portas para produções independentes. As produções indie ou o estilo cultural indie fogem ao escopo das grandes produções de massa.

Heloísa Miro Cardoso (2019) observa que “a cena indie da música brasileira contemporânea se beneficia dos mesmos meios digitais que o mainstream para divulgação de conteúdo inédito para o público, além de conseguir atingir pessoas que não chegariam até as produções independentes e alternativas de maneira física, em shows, por exemplo”.

Segundo a autora, “enquanto o mainstream se alastra com rapidez e facilidade, o circuito indie ganhou um forte aliado na assertividade de suas produções: o mundo digital. Esse ambiente virtual de consumo e contato com a música desestabiliza a relação tradicional do sistema com a comercialização do conteúdo musical”.

Por sua vez, Leonardo Di Marchi (2006) aponta que “com as novas ferramentas tecnológicas os independentes estão atingindo diretamente seu público-alvo, sem a necessidade das complexas negociações com atravessadores, como as lojas de discos”.

Afirma ainda que, “como os atuais serviços de distribuição on-line são oferecidos por empresas de informática, a necessidade de relações com as grandes gravadoras para fazerem os produtos alcançar o mercado consumidor diminui significativamente”.

Diante desse cenário, com a possibilidade de “correr por fora” do mainstream, penso que seja possível a compositores(as), produtores(as), cantores(as) e demais profissionais do segmento, que não veem a música apenas com o uma mercadoria, mas, antes de tudo, como uma arte, tenham a possibilidade de alcançar grandes públicos, quebrando, dessa forma, o monopólio da estética do mau gosto.

Portanto, mesmo diante dessa decadência, há esperança para a desvanecida música brasileira destes tempos hodiernos.

*Sociólogo