30 Anos do Plano Real, seus bônus e ônus
O articulista faz um relato histórico e um resgate da memória. Leia o artigo do economista Caio Luís Chiariello

Ednilson Maciel, Por Caio Luís Chiariello*
Publicado em: 16/07/2024 às 09:15 | Atualizado em: 26/07/2024 às 16:44
Em 2024, são comemorados os 30 anos do Plano Real, considerado a derradeira tecnologia monetária para aplacar a hiperinflação vivenciada entre as décadas de 1980 e 1990. Para os mais novos, faço um relato histórico. Mas para os quarentões, cinquentões e outros “ões” eu faço o resgate da memória.
No final da década de 1970, o Brasil vivenciou um processo inflacionário galopante, e entrou na década de 1980 sem conseguir frear a alta de preços. A inflação é o processo de aumento de preços diários, fato que condena as pessoas de menor renda e assalariados que recebem seus salários em uma determinada data, porém, como os preços aumentam consideravelmente durante o mês, o poder aquisitivo delas é corroído pela inflação.
Planos mirabolantes
Visando combater a inflação brasileira, alguns planos mirabolantes chamados de heterodoxos foram testados, dentre eles o Plano Cruzado de 1986, no governo de José Sarney, um governo de transição pós-ditadura militar. O Plano trocou o nome da moeda de Cruzeiro para Cruzado, cortou “zeros”, tabelou os preços e apelou à população para fiscalizar estabelecimentos que aumentassem os preços. Aliás, os chamados “fiscais do Sarney” ficaram bem conhecidos.
O Plano Cruzado teve algum efeito imediato, mas a inflação voltou a subir. Com a crise inflacionária novamente se agudizando, posteriormente, vieram o Plano Verão, o Plano Bresser, com a mesma tônica do Plano Cruzado, mas sem sucesso.
Após estes dois, veio o Plano Collor, uma manobra criminosa que sequestrou os depósitos bancários à vista e as poupanças, retendo recursos e impedindo a demanda por bens e serviços. O resultado foi trágico. Houve a redução da inflação por alguns meses, mas seu retorno, ao custo de uma queda no consumo e na produção, de certa forma, ajudou a pôr fim no mandato do “moço das Alagoas”, que sofreu impeachment no segundo ano de seu mandato.
Em 1994, já no governo de Itamar Franco, o recém-nomeado Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso chama para perto de si a equipe de Economia da PUC-RJ e resgata um debate teórico orquestrado pelos economistas Pérsio Arida e André Lara Resende acerca do componente inercial da inflação, algo subjetivo que, mais ou menos, seria o seguinte: todos têm uma expectativa de aumento da inflação, então, todo mundo sai remarcando os preços, para que não sejam os últimos e fiquem no prejuízo, assim, não se sabe onde a inflação começa nem onde termina, o que leva a uma inflação inercial… de movimento constante e eterno.
Pois bem, durante o primeiro semestre de 1994, muda-se a moeda de Cruzeiro para Cruzeiro Real, os preços públicos como contas de água e luz e o pagamento de impostos são vinculados a uma moeda artificial, a URV, Unidade Real de Valor, sem aumento dos preços. Ou seja, os produtos e serviços de mercado sofriam inflação em Cruzeiro Real, mas os preços públicos não sofriam inflação, capturando, assim, a memória inflacionária na sociedade.
O Real e seus bônus
Em julho de 1994, a URV se torna Real e todos os valores, como salários, matérias-primas, produtos e serviços, são transformados também em Real. Maravilha, não é mesmo? Mas a arquitetura monetária teria de trazer consigo a arquitetura política e a econômica. Vamos ao bônus: o Real passa a ser vinculado ao dólar, assim, R$ 1,00 é igual a US$ 1,00 com uma hipervalorização do real em relação ao dólar.
Desta forma, todos os produtos cotados em dólar ficam mais baratos, facilitando a importação de bens, que competem com os bens produzidos no Brasil, segurando uma possível alta dos preços internos. Em um primeiro momento, uma sensação de riqueza, os produtos importados passam a inundar o Brasil, que tinha sua economia fechada para importação desde a década de 1970.
Foi uma alegria só: vinho português, azeite espanhol, chocolate suíço, videocassete (já existiu isso…) vindo dos EUA, relógio japonês recheando a cesta de produtos dos brasileiros e, ao mesmo tempo, contendo a inflação, sem contar as viagens internacionais da elite e das classes médias. Disney era logo ali. No final de 1994, FHC é eleito presidente da República, no primeiro turno, e ficou conhecido como o homem que venceu a inflação. Maravilha, não é mesmo? Contudo, vamos aos ônus.
O Real e seus ônus
Uma vez que passamos a comprar tudo do estrangeiro – as azeitonas são colhidas na Espanha por espanhóis, as uvas amassadas por portugueses, o chocolate produzido pelos suíços, os componentes eletrônicos e suas tecnologias desenvolvidos por estadunidenses e japoneses –, o processo produtivo, as tecnologias e inovações, os empregos e a renda são todos alocados nos países estrangeiros.
Neste sentido, quando optamos pela compra de importados, deixamos de adquirir mercadorias dos produtores nacionais, abandonando, desta forma, o desenvolvimento de processos produtivos de tecnologia endógena, reduzindo os empregos e a renda em nosso país. O resultado disso? Bem, o devir do Plano Real foi marcado pela falência de indústrias nacionais que não conseguiam competir com o setor externo. O principal efeito colateral disso foi o desemprego.
Mais um ônus: se a importação ficou mais barata, a exportação ficou mais cara. E a conta precisava fechar. O Brasil passou a ter saldo negativo na balança de pagamentos e, para “cobrir” o déficit, precisou atrair capital. A Taxa de Juros Selic foi elevada ao maior patamar da história, pagando juros exorbitantes para quem quisesse trazer capital especulativo para o Brasil, com isenção de Imposto de Renda (IR) sobre os lucros das finanças, tornando o país um paraíso especulativo.
Assim, se por um lado houve a contenção da inflação e a estabilidade monetária, fato que melhorou o planejamento e evitou a corrosão da renda, por outro lado, houve o processo de desindustrialização e financeirização da economia nacional, processo este que nunca mais se reverteu.
A história e a memória
Nas eleições presidenciais de 1998, Fernando Henrique Cardoso se reelegeu, novamente, em 1° turno. A tônica dos discursos de campanha era que aquele que venceu a inflação iria vencer o desemprego. O que não aconteceu e, logo nos primeiros meses do segundo mandato, FHC desvalorizou o Real reduzindo, assim, as vantagens na importação.
Com efeito, a alta taxa de desemprego e o baixo crescimento econômico seguraram a demanda e evitaram a alta dos preços, além do que a inflação inercial estava, de fato, suprimida. Sob grave crise econômica e alto desemprego, FHC não consegue eleger seu sucessor nas eleições presidenciais de 2002. Após amargar três derrotas consecutivas, Luiz Inácio Lula da Silva, finalmente, se elege presidente da República.
Em sua carta aos brasileiros, Lula se compromete a manter o Plano Real e as diretrizes econômicas do governo anterior, mas impulsiona o mercado consumidor por meio de programas de transferência de renda e crédito, bancados pelo aumento das exportações de comodities, especialmente para a China, reativando assim importantes cadeias produtivas nacionais, até então emperradas pelos anos de crise, em especial as do agronegócio, mineração e construção civil.
Conclusão
Com isto, Lula consegue compatibilizar, em certa medida, crescimento econômico, estabilidade monetária, emprego e renda, com desdobramentos na redução da pobreza extrema, maior segurança alimentar e acesso à saúde e à educação para uma parcela da população que nunca havia tido acesso a estes direitos, o que, claro, passa a fomentar a fúria dos que tinham tudo isto com exclusividade.
O que se seguiu, na opinião deste humilde economista, foi uma clara reação a este processo de inclusão social, ainda que muito modesto, mas inaceitável à nossa boa e velha elite que de elite mesmo não tem nada. Mas isto é outra história.
*O autor é economista
Foto: Senado Federal