A Manaus de todos nós

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Publicado em: 25/10/2017 às 11:39 | Atualizado em: 06/11/2017 às 14:42
“A cidade foi crescendo de costas para o rio, e os igarapés foram sendo aterrados, e os que restam definham em filetes de águas contaminadas de esgoto”
Por José Aldemir de Oliveira*
Quando Manaus completa anos, os santos Antonio, Raimundo, Lázaro, Jorge, Agostinho, Francisco, José, Geraldo e as santas da Glória, Luzia, Graças, Aparecida e a Etelvina que não é, mas é como se fosse, parece que já não nos protegem mais. Temos que recorrer ao dono do mundo, à cidade de deuses, rogarmos ao céu, ou à natureza dos lírios, das flores, dos buritis, das aquariquaras, fazer oferendas aos orixás e água de colônia ao xamã para que protejam a nossa cidade. Os que crêem prostrem-se diante da imagem da Conceição a padroeira ou de Iemanjá, ajoelhem-se diante de todos os santos e divindades e roguem para que olhem por Manaus, porque a “coisa está braba”.
Na cidade que completa hoje anos, pouco importa se 348 ou 169, predomina o tom de cinza causado pela fumaça que a envolve como um véu a cobrir-lhe o horizonte. A cidade foi engolindo a mata e resta pouco verde que lhe é arrancado sem dó para construir prédios, ruas e viadutos. A cidade foi crescendo de costas para o rio, e os igarapés foram sendo aterrados, e os que restam definham em filetes de águas contaminadas de esgoto.
O espaço urbano que paulatinamente foi sendo produzido em Manaus teve a influência de fatores externos, mas resultou principalmente da determinação interna decorrente da incúria de seus gestores e da ação ou omissão de seus moradores.
Cada um de nós, nos becos, ruas e bairros da cidade foi cartografando espaços e geografando vidas, deixando marcas e pegadas, que com maior ou menor relevância, fez a cidade que temos. Todos nós sem exceção fizemos a cidade de acordo com os nossos mais profundos desejos.
O problema é que nesta cidade estamos condenados a viver e não adianta passarmos a culpa a outrem, porque a Manaus que queremos não pode ser separada do tipo de pessoas que somos.
Nesse sentido, a Manaus que chega ao nosso agora e completa anos é a cidade que incide sobre coisas e objetos vindos do passado recente ou distante. Pouco importa se esse passado distante é a criação do Forte de São José do Rio Negro, ou do Lugar da Barra e elevado à Vila da Barra e posteriormente transforma na Cidade da Barra com o nome de Manáos, finalmente Manaus. Pouco importa se é de 1669, quando da criação do forte, e a cidade completa 348 anos, ou de 24 de outubro de 1848, quando da elevação à categoria de cidade, e completa 169 anos.
O mais importante é tomarmos os destinos da cidade nas nossas mãos e construirmos a partir da raiz e da união a redenção para a cidade de deus e dos homens, como lugar onde se tecem as espacialidades complexas que pertencem a todos nós, seus moradores de nascença ou de eleição.
A cidade que se quer precisa de todos os santos e deuses das diversas crenças e credos, mas principalmente precisa dos filhos destes, pois a produção da cidade é obra de cada um que aqui vive, homens, mulheres, ou nem uma coisa nem outra, que são responsáveis por melhorá-la e corrigir os seus rumos.
Isso é tarefa para uns quarenta, mais que isso, é para todos os que acreditam no cidadão, na cidade nova, no coroado, na liberdade e na esperança da alvorada na nova cidade.
*O autor é doutor em geografia humana pela Universidade de São Paulo (1994) e professor titular da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Foi diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), secretário de Estado de Ciência e Tecnologia e reitor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). (Fonte: site Escavador)
Foto: Reprodução/BlogdoRocha